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Crianças com necessidades especiais

(Psicose/Autismo Infantil/Síndromes Genéticas)

“Médicos, pedagogos ou simplesmente pais, julgamos estar convictos de que as crianças são seres humanos; todavia, não cessamos de tratá-las como coisas, sob pretexto de que a sua humanidade é para amanhã. Não cessamos de submetê-las a julgamentos de fato, que , sob formas diversas, constituem tantos veredictos arrasadores. Diagnósticos, medidas do quociente intelectual, escolha de métodos de reeducação, todos os nossos esforços para compreender e ajudar a criança débil muitas vezes acarretam o risco de paralisá-la na sua enfermidade. A prova é que essas apreciações e essas medidas são mais de uma vez desmentidas pela evolução do doente. Uma determinada criança de quociente intelectual bastante baixo poderá sair-se melhor do que uma outra que está perto da média. A própria noção de debilidade vacila” Colette Audry (in Manoni, 1999)



Tendo em vista o aumento de comentários e exposição na mídia sobre os distúrbios, transtornos, e dificuldades várias que afetam a infância e, invariavelmente, prejudicam a educação, achou-se interessante fazer uma palestra abordando o tema: crianças com necessidades especiais.

O título implica uma vasta gama de assuntos e subtemas. Vou me focalizar em alguns, relativos à minha prática clínica como psicólogo e psicanalista. De maneira nenhuma estou descartando ou miniminizando quadros como as neuroses infantis, transtorno de atenção e hiperatividade, dislexia, deficiências físicas e sensoriais e muitos outros – mas meu tempo é restrito e o título vasto, por isso me concentrarei nas psicoses infantís, sindromes genéticas e paralisias cerebrais (as encefalopatias crônicas).

Aponto aqui para a necessidade de sempre, ao discutir sintomatologias e diagnósticos, atentar para não cristalizar ou pré-conceituar a criança nos mesmos – tal descuido é comum e, muito prejudicial para o tratamento da dificuldade e para a comunicação Aluno-Educador, Criança-Adulto.

Os diagnósticos e nomeação de sintomatologia são uma ferramenta dos profissionais de saúde para orientar e viabilizar um tratamento (planejar e estudar estratégias do tratamento e visualizar prognósticos), mas como toda ferramenta, pode viciar a percepção ou comprometer seu próprio mecanismo de funcionamento. Assim, é fundamental que sempre olhemos para a singularidade de cada caso – é nisto que encontraremos respostas frutíferas (não só para nós, mas principalmente para o aluno, paciente, criança).

Autismo e Psicose Infantil

Vou tratar sucintamente a distinção Autismo e Psicose e colocar as noções contemporâneas que se tem sobre o assunto. Trata-se mais de um resumo para orientar e estimular uma pesquisa mais aprofundada que um artigo de referência sobre tal temática complexa e ainda muito recente na história da saúde mental infantil.

A psicose é vista pela psicanálise como uma estrutura de personalidade (existem três estruturas de personalidade: Psicose, Neurose e Perversão) e o autismo sendo um agravamento precoce desta estrutura. No entanto, isso ainda é tema de controvérsias e discussões.


Na psiquiatria, o autismo é visto como uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomatologias patológicas, que não possuem uma etiologia definida. A causa não foi isolada ou encontrada, acredita-se que muitos fatores sejam responsáveis ao mesmo tempo por tal quadro.
Atualmente, a psiquiatria denomina o autismo de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (CID 10 : F 84.0), por suas características patológicas que retardam ou paralisam o desenvolvimento esperado de uma criança (Aprendizagem, Relacionamento, etc).


O desenvolvimento de tais psicopatologias é multifatorial, mas as questões orgânicas (físico e genético), dinâmicas familiares e estrutura psicológica estão sempre presentes.


É uma prática comum na saúde mental, que todas as crianças passem por exames físicos completos para distinguir as possíveis causas orgânicas das causas psicológicas. A família é constantemente trabalhada e tem papel fundamental no desenvolvimento e manutenção do quadro patológico e, no seu tratamento, estruturação psíquica e inclusão social.

Psicose: Partindo do pressuposto que “nas psicoses, há um conflito entre o ego e o mundo externo” (FREUD,1924) podemos começar a formular algumas hipóteses acerca da psicose. Tendo em vista esse conflito entre Eu e o mundo externo, alguns sintomas presentes na psicose tornam-se claros: o isolamento, a dificuldade em lidar com mudanças, pouca tolerância frente à frustração, dificuldade ou ausência de interações com meio social, entre outros.

Complementarmente a isso KLEIN(1930) escreve que há crianças que vivem apenas na fantasia. Relata ser fácil perceber como elas se isolam da realidade em suas brincadeiras e só conseguem sustentar suas fantasias ao manterem-na completamente excluída. Tais crianças consideram insuportável qualquer tipo de frustração, pois isso faz com que se lembrem da realidade; também não conseguem se concentrar em nenhuma ocupação relacionada à realidade.

Desta forma, temos na psicose uma fuga para o mundo interno (fantasia) e grande dificuldade na lida e compreensão do mundo externo (realidade). Fantasia mistura-se com realidade e isso tudo em uma organização psíquica muito recente e primitiva

Neste cenário, adentra o tratamento que objetiva trazer e habilitar a criança para a realidade, construir um psiquismo mais organizado no qual fantasia e realidade não se misturem, mas coexistam.

Para alcançar todos esses objetivos a abertura por parte da criança é o primeiro passo. É preciso saber capturar o interesse, mesmo mínimo, que a criança tem pela realidade e a partir daí construir uma relação mais produtiva com esta. O vínculo Profissional – Paciente será fundamental para possibilitar essa construção psíquica de relação com a realidade.

A fala e histórico da família mostram-se fundamental na investigação do que motivou essa fuga da criança para o mundo interno. Compreender a dinâmica familiar e sua interrelação com a criança são dados que vão instrumentalizando o profissional para aproximar-se do paciente e desenvolver suas potencialidades – sem falar do saber que se instaura no profissional, de como funciona essa família e como firmar e aprimorar suas funções de pais, de cuidadores com esta criança singular.

Principais características do quadro psicótico:
  • Fuga para a realidade Interna, fantasia
  • Afastamento da realidade externa
  • Mecanismo de fuga, isolamento
  • Intolerância à limites / à frustração
  • Psiquismo primitivo
  • Concretude, dificuldade na abstração (falha na esfera simbólica)

Autismo: Termo cunhado por Bleuger (1907), deriva do grego Autos (o si mesmo) para designar o ensimesmamento psicótico do sujeito em seu mundo interno e a ausência de qualquer contato com o exterior - podendo chegar ao mutismo
  • Surgimento precoce dos distúrbios (sono, alimentação, fobias...)
  • Isolamento
  • Ausência da fala, comunicação (distúrbios de linguagem)
  • Quando a fala está presente ocorrência de ecolalia (repetição de forma mecânica do que é dito)
  • Estereotipais gestuais (repetitivos)
  • Padrão repetitivo, necessidade da rotina fixa
  • Recusa do olhar
  • Incapacidade no relacionamento interpessoal (mesmo com os pais)
  • Rituais específicos não funcionais
  • Uso dos objetos externos independentes de sua funcionalidade, mas obedecendo a uma lógica funcional subjetiva
  • Auto e/ou hetero-agressividade presentes
  • Indiferença à dor

Para classificação é preciso atentar à: Idade; Fase do desenvolvimento Neuropsicomotor; Tempo de duração das características (6/7 meses).

Causas :

• Psiquiatria - constitucional (genética/ bioquímica)
Uso de drogas na gestação (pode causar alterações no feto). Uso de drogas para o homem pode causar anomalias em sua produção de espermatozóides e assim afetar a criança.

• Psicologia/Psicanálise - Meio externo (cultura, linguagem) e relação familiar etiologia multifatorial

Prognóstico: No caso do autismo se a criança desenvolve a fala até os 5 anos ela tem melhor prognóstico. Nas psicoses tendo devido acompanhamento e tratamento multidisciplinar alcançam-se bons resultados.

Tratamento: Equipe Multidisciplinar (Psiquiatra, Neurologista, Psicólogo, Fonoaudióloga, Assistente Social ,T.O., entre outros).

Hospital-Dia, tratamento psicofarmacológico, grupos de estimulação sensorial, jogos lúdicos, psicoterapia infantil, orientação e/ou terapia familiar, equoterapia, atividades lúdicas e esportivas, entre outros.



As Síndromes

Síndrome é um conjunto bem determinado de sintomas ligados a uma entidade mórbida e que constitui o quadro geral de uma doença.


“A symptom complex of unknown etiology, that is characteristic of a particular abnormality.” (segundo Health Foundation)


Existem variadas síndromes na medicina e saúde mental. Abordarei aqui unicamente as síndromes genéticas, ou seja, aquele conjunto de sintomas ou quadro patológico, limitador que é ocasionado pelo código genético do paciente. Nesse caso, geralmente há características externas, físicas (fenótipo) que muitas vezes indicam a presença da síndrome, além do atraso característico no desenvolvimento neuropsicomotor.

Para exemplificar este conceito usarei a síndrome que com certeza é a mais conhecida e divulgada em nosso meio social: a Síndrome de Down.

Síndrome de Down: é, essencialmente, um atraso do desenvolvimento, tanto das funções motoras do corpo, como das funções mentais. Um bebê com S.D. é pouco ativo, molinho, o que chamamos hipotonia. A hipotonia diminui com o tempo e a criança vai conquistando, embora mais tarde que as outras, as diversas etapas do desenvolvimento: sustentar a cabeça, virar-se na cama, engatinhar, sentar, andar e falar: A S.D. é conhecida popularmente como mongolismo. Em alguns países, essa expressão não é mais usada. O nome mongolismo foi dado devido às pregas no canto dos olhos que lembram o aspecto das pessoas da raça mongólica (amarela). Os termos "mongolismo", "mongol" e "mongolóide", usados há alguns anos para identificar a Síndrome de Down e seus portadores, são hoje considerados ofensivos.

A cada 550 bebês que nascem, um tem a Síndrome de Down. Atualmente, estima-se que existem, entre crianças e adultos, mais de 100 mil brasileiros com Síndrome de Down. Por isso tal síndrome é a mais divulgada e conhecida em nosso meio social.

Qualquer casal pode ter um filho com a síndrome, não importando sua raça, credo ou condição social.

A criança com Síndrome de Down se desenvolve mais lentamente em relação às outras crianças. Os indivíduos portadores da síndrome apresentam certos traços típicos, como: olhos com linha ascendente e dobras da pele nos cantos internos (semelhantes aos orientais), nariz pequeno e um pouco "achatado", rosto redondo, orelhas pequenas, baixa estatura, pescoço curto e grosso, flacidez muscular, mãos pequenas com dedos curtos, prega palmar única. A denominação Síndrome de Down é resultado da descrição de Langdon Down, médico inglês que, pela primeira vez, identificou, em 1866, as características de uma criança com a síndrome. Em cada célula do indivíduo existe um total de 46 cromossomos, divididos em 23 pares. A pessoa com Síndrome de Down possui 47 cromossomos, sendo o cromossomo extra ligado ao par 21.

Para desenvolver todo seu potencial, a pessoa com Síndrome de Down necessita de um trabalho de estimulação desde seu nascimento. Ela faz parte do universo da diversidade humana e tem muito a contribuir com sua forma de ser e sentir para o desenvolvimento da sociedade (é fundamental o trabalho de inclusão social da criança).

Sindrome de Williams: rara desordem genética freqüentemente não diagnosticada. Tem impacto sobre diversas áreas do desenvolvimento, incluindo a cognitiva, comportamental e motora. A maioria das crianças tem grandes dificuldades de alimentação no primeiro ano de vida, incluindo vômitos, recusa de alimentação, podendo mostrar grande irritação e chorar excessivamente. Geralmente, apresentam uma face característica (descrita como a de um duende): nariz pequeno e empinado, cabelo encaracolado, lábios cheios, dentes pequenos, sorriso freqüente.

Síndrome de Klinefelter: caracteriza-se pela trissomia no par cromossomial sexual masculino. Os portadores dessa síndrome apresentam: Macho sub-fértil com pequenos testículos; Seios desenvolvidos; Voz feminilizada; Membros longos; Protuberância no joelho e andar cambaleante; Características masculinas incompletas; Deficiência mental; Problemas sociais e/ou de aprendizagem; Morte freqüentemente precoce.

Sindrome do olho de gato: esta síndrome representa uma trissomia parcial do cromossomo 22 (22q+) foi confirmada. As principais características fenotípicas apresentadas pela maioria dos afetados são as seguintes: atraso psicomotor acentuado, coloboma de íris conferindo aspecto de pupila de gato, inclinação antimongolóide das fendas palpebrais, papilomas ou fístulas pré-auriculares, orelhas anormais, atresia anal, anomalias gênito-urinárias e defeito cardíaco. Quando presente, o defeito cardíaco é a principal causa de morte. A sobrevida dos afetados ainda não está bem estabelecida, mas existem alguns pacientes com mais de 10 anos de idade, e até com 20 anos.


Paralisia Cerebral

O termo Paralisia Cerebral descreve uma condição de ser, um estado de saúde com implicações que decorrem de danos ao Sistema Nervoso. Paralisias Cerebrais não são doenças, mas sim uma condição especial definida na área médica como: “enfermidade caracterizada por um conjunto de perturbações motoras e sensoriais resultantes de um defeito ou de uma lesão do tecido nervoso contido dentro da caixa craniana que pode apresentar-se, antes, durante ou após o parto, até os 8 anos de idade”.

O termo paralisia cerebral é bastante inadequado pois significaria uma ausência total de atividades físicas e mentais, o que não ocorre nestes quadros. O emprego do termo, criança com lesão cerebral, seria mais pontual. A causa é devida a qualquer agente capaz de lesar o encéfalo, desde a concepção até a primeira infância.

Uma curiosidade: a freqüência de Paralisias Cerebrais em países desenvolvidos é de cerca de 2/1000 nascidos vivos. No Brasil os números aumentam para 7/1000 nascidos vivos. O fato decorre da precariedade do atendimento e acompanhamento pré-natal na maioria dos países em desenvolvimento, assim como as condições sócio-econômicas da maioria da população destas localidades (in Finnie, s/d).

São crianças, adolescentes e posteriormente adultos que precisarão de atenção às suas necessidades especiais no percurso de seu desenvolvimento. São crianças capazes de desenvolver suas capacidades desde que se respeite o seu timing e dificuldades ou limitações maiores em determinadas áreas.

Algumas vezes as falhas de uma criança não são realmente falhas, mas simplesmente um modo dos pais fixarem padrões altos demais. As expectativas dos pais acerca do nível de aprendizagem e desenvolvimento de seus filhos são muito importantes. Estas expectativas devem ser realísticas e o que eles esperam que seus filhos alcancem no andar, no manusear, no usar a fala e o raciocínio sobre as coisas, deve ser condizente com a gravidade do comprometimento (orgânico, mental) da criança – fisicamente, emocionalmente e intelectualmente, e aqui é que a ajuda do profissional e sua equipe pode ser útil na colocação razoável das expectativas e razoáveis objetivos.

A criança com necessidades especiais precisa não de um tratamento infantilizado, nem exagerado para mais ou menos. Essa necessidade especial é nossa escuta e olhar atento, posicionamento paciente, tolerante e flexível frente ao seu tempo próprio de desenvolvimento e reais dificuldades ou mesmo limitações em determinadas áreas cognitivas, afetivas e/ou sociais.


Referências Bibliográficas
FREUD, S. Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago Ed., (s.d.)
Neurose e Psicose (1924b) Vol. XIX
Análise de uma Fobia em um menino de cinco anos- O Pequeno Hans (1909).
FINNIE, N. O Manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. Editora Manole, 2ª edição, São Paulo, s.d.
KLEIN, M. Amor, culpa e reparação. Ed Imago, Rio de Janeiro, 1996.
SACKS, O. Um antropólogo em marte. Cia das Letras, São Paulo.
SCHUBERT, R. Orientação Sexual com crianças especiais relato de experiência. In: Ana Marisa Brito (Psicóloga); José Santos (Professor); Pedro Santos (Professor). (Org.). Contributos ao estudo da Deficiência Mental. Universidade de Algavea, Portugal , 2007.
MANONI, M. A criança retardada e a mãe. Ed. Martins Fontes, Rio de Janeiro, 1999.




Trabalho inicialmente apresentado sob forma de palestra no Lutherhaus nos anos de 2007 e 2009; para Instituições como Recanto Nossa Senhora de Lourdes e Pestalozzi em 2008 e 2009.

Apresentado em Instituições sociais e ensino como palestra ou em forma de curso para alunos de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, enfermagem e pedagogia abordando os tratamentos psicológicos voltados para infância, psicopatologia, neuropsicologia, avaliação psicológica e orientação familiar/educacional.

Para contato com o psicoterapeuta e psicanalista René Schubert: rene.schubert@gmail.com






2 comentários:

Karein Castro Reglero disse...

O autismo é entendido como uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave durante toda a vida. Infelizmente é incapacitante e aparece nos três primeiros anos de vida. Os conhecimentos de psiquiatria que tentam ainda explicar este quadro enigmático evoluíram para a própria psiquiatria geral, pediatria e a psicanálise. Penso ser necessária evoluções nestas práticas para que haja cada vez mais maior diversidade, flexibilidade e maturidade para o estudo do autismo.

René Schubert disse...

Grato por sua pontual contribuição Karein!