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Refletindo o Final de Ano: comunhão e realizações ou sentimento de incompletude e fracasso?


 ( Victoria Island - Canada - 2009)



O final do ano, geralmente brindado com os festejos de Natal e a noite de ano novo, é visto de maneira geral como um período alegre e de união. As pessoas procuram deixar as diferenças e dificuldades de lado para comungar com quem está próximo, contribuindo para que haja um “bem-estar” geral.  As festas, geralmente realizadas na companhia de familiares e amigos,são acompanhadas de comidas e bebidas típicas, trocas de presentes e gentilezas. Novas promessas e metas são estabelecidas ou mantidas; são realizados diversos rituais típicos da passagem do ano: “Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo...”

Pode-se dizer que os meses de novembro e dezembro,“o preparatório” e “o último mês do ano”, respectivamente, são meses de alegre expectativa, reencontros, animados festejos, empolgação, amizade e felicidade. Entretanto, isto não é uma verdade para todas as pessoas.

Os meses de novembro e dezembro costumam ser, para muitas pessoas, o período do ano em que estas iniciam tratamento psicoterapêutico no consultório. Durante os quatro anos em que atuei no hospital psiquiátrico, pude observar que nos meses de novembro a janeiro, o hospital e clínica psiquiátrica trabalhavam com praticamente todos os leitos ocupados. Pacientes com quadros depressivos, psicóticos e dependentes químicos eram a maioria.

Este é um período em que muitos pacientes têm crises depressivas ou surtos psicóticos. Outros abusam excessivamente do álcool ou de outras substâncias, tornando-se inconsequentes e denunciando, desta forma, que algo não está muito bem internamente.

Para ilustrar este fenômeno, transcreverei algumas das falas de meus pacientes de consultório referentes a este período de final de ano: “Não é minha época preferida não; na verdade odeio”; “Não consigo ficar sorrindo e achando tudo lindo, acho muito hipócrita”; “Me sinto muito sozinha e triste esta época”; “Sinto um aperto no coração, acabo ficando isolada”; “Não suporto as reuniões da família – eu por mim ia para um lugar mais afastado”; “Tem muito barulho, as pessoas ficam estranhas”; “Tudo fica parado, e triste, você não acha?”.

Como explicar este fenômeno que atinge parte da sociedade, onde pessoas sentem-se alheias, solitárias, tristes, numa época marcada por festejos, renovação de votos e reuniões com colegas, amigos e família?
Do ponto de vista psicológico pode-se apontar que este fenômeno encontra sua explicação em dois fatores principalmente: A comunhão com a família, amigos, colegas e naquilo que o final de ano marca, ou seja fechamento de ciclo, realização de metas e estabelecimento de novas metas, projetos.

Muitas vezes este questionamento se torna opressivo e angustiante: “o que eu fiz da minha vida pessoal, profissional, financeira, familiar e espiritual, nesse ano que passou? Quais as promessas que fiz, as metas que propus que consegui alcançar?”

Para muitos, o final de ano é marcado pelo fracasso e frustração da não realização de metas estabelecidas. Não se conseguiu a promoção desejada, não se parou de beber ou fumar, não se está satisfeito com o relacionamento, não se conseguiu desenvolver relacionamentos com amigos ou parceiros amorosos, não se alcançou o peso ou imagem corporal esperado, as dividas financeiras vão se somando, o ano foi marcado por cisões e desentendimentos, enfim não se alcançou aquilo que tanto foi desejado.

No final de ano fazemos, geralmente, consciente ou inconscientemente uma revisão de como foi o ano que passou e o que ficou marcado. Dessa forma, se para o sujeito ficaram marcados fracassos e dificuldades, seja na vida relacional, profissional ou mesmo em relação aos seus anseios pessoais, o final de ano se tornará um fardo pesado e indigesto.

Quanto ao retorno para o ambiente familiar, para a família de origem, nem sempre o mesmo é desejado ou possível, pois muitas vezes há tanta mágoa e rancor, que este festejo de final de ano é visto mais como uma obrigação desagradável ou um obstáculo intransponível, ao invés de um reencontro alegre. É fato que a capacidade de lidar com frustrações e dificuldades conta muito nesta situação. No entanto, percebemos que muitas pessoas se fragilizam e adoecem neste período exatamente por não suportar a pressão, interna e externa, que aponta para felicidade, sucesso e realizações.

No consultório, o terapeuta deve trabalhar com o paciente a tolerância à frustração e a motivação e persistência no estabelecimento e manutenção de metas e projetos de vida.

Por vezes, algumas crenças e imagens internas que a pessoa tem em relação a si e em relação ao mundo precisam ser revistas, trabalhadas e ressignificadas. Em outros casos, é preciso fazer um trabalho mais profundo com o paciente e até mesmo com seus familiares. Algumas feridas psíquicas são superficiais; outras são muito antigas e profundas. Assim, o tratamento deve considerar o indivíduo como um ser total, com seus desejos, expectativas, capacidades e dificuldades, como um ser inserido e em relação a um sistema maior: sua família, sua profissão, seus relacionamentos, seu meio cultural.

A angústia, frustração e sentimento de inadequação e incapacidade podem ser trabalhados e elaborados na medida em que o indivíduo buscar novas soluções e se disponibilizar a enfrentar seus medos e sombras. Embora o tratamento possa encontrar dificuldades e barreiras, ele é possível e pode possibilitar uma nova perspectiva e visão desta época do ano, do fechamento de um ciclo, para o início do novo, para a reinvenção de si mesmo!
 

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