O viver e o morrer...o presente e o passado...a permanência e a impermanência!
Temas muito comuns num consultorio de psicoterapia. Os clientes trazem seus dramas, suas fantasias, suas histórias...suas perdas...suas expectativas...seus sonhos...suas frustrações...e afinal o que fica?
Aquilo que é!
E é, por um breve espaço de tempo!
Se reproduz na integra aqui um belo texto do criador da Psicanálise, o Dr. Sigmund Freud, no qual este fala sobre a transitoriedade das coisas...boa leitura!
SOBRE A TRANSITORIEDADE - Sigmund Freud
Não faz muito tempo empreendi, num dia
de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um
amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso. O poeta admirava a
beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria.
Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à
extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a
beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou
poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e
admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.
A propensão de tudo que é belo e
perfeito à decadência, pode, como sabemos, dar margem a dois impulsos
diferentes na mente. Um leva ao penoso desalento sentido pelo jovem
poeta, ao passo que o outro conduz à rebelião contra o fato consumado.
Não! É impossível que toda essa beleza da Natureza e da Arte, do mundo
de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em
nada. Seria por demais insensato, por demais pretensioso acreditar
nisso. De uma maneira ou de outra essa beleza deve ser capaz de
persistir e de escapar a todos os poderes de destruição.
Mas essa exigência de imortalidade, por
ser tão obviamente um produto dos nossos desejos, não pode reivindicar
seu direito à realidade; o que é penoso pode, não obstante, ser
verdadeiro. Não vi como discutir a transitoriedade de todas as coisas,
nem pude insistir numa exceção em favor do que é belo e perfeito. Não
deixei, porém, de discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a
transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor.
Pelo contrário, implica um aumento! O
valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da
possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Era
incompreensível, declarei, que o pensamento sobre a transitoriedade
da beleza interferisse na alegria que dela derivamos. Quanto à beleza
da Natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano
seguinte, do modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de
fato ser considerada eterna. A beleza da forma e da face humana
desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua
evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Um flor que
dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela. Tampouco posso
compreender melhor por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte
ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua
limitação temporal. Realmente, talvez chegue o dia em que os quadros e
estátuas que hoje admiramos venham a ficar reduzidos a pó, ou que nos
possa suceder uma raça de homens que venha a não mais compreender as
obras de nossos poetas e pensadores, ou talvez até mesmo sobrevenha uma
era geológica na qual cesse toda vida animada sobre a Terra; visto,
contudo, que o valor de toda essa beleza e perfeição é determinado
somente por sua significação para nossa própria vida emocional, não
precisa sobreviver a nós, independendo, portanto, da duração absoluta.
Essas considerações me pareceram
incontestáveis, mas observei que não causara impressão quer no poeta
quer em meu amigo. Meu fracasso levou-me a inferir que algum fator
emocional poderoso se achava em ação, perturbando-lhes o discernimento, e
acreditei, depois, ter descoberto o que era. O que lhes estragou a
fruição da beleza deve ter sido uma revolta em suas mentes contra o
luto. A idéia de que toda essa beleza era transitória comunicou a esses
dois espíritos sensíveis uma antecipação de luto pela morte dessa mesma
beleza; e, como a mente instintivamente recua de algo que é penoso,
sentiram que em sua fruição de beleza interferiam pensamentos sobre sua transitoriedade.
O luto pela perda de algo que amamos ou
admiramos se afigura tão natural ao leigo, que ele o considera evidente
por si mesmo. Para os psicólogos, porém, o luto constitui um grande
enigma, um daqueles fenômenos que por si sós não podem ser explicados,
mas a partir dos quais podem ser rastreadas outras obscuridades.
Possuímos, segundo parece, certa dose de capacidade para o amor – que
denominamos de libido – que nas etapas iniciais do desenvolvimento é
dirigido no sentido de nosso próprio ego. Depois, embora ainda numa
época muito inicial, essa libido é desviada do ego para objetos, que são
assim, num certo sentido, levados para nosso ego. Se os objetos forem
destruídos ou se ficarem perdidos para nós, nossa capacidade para o amor
(nossa libido) será mais uma vez liberada e poderá então ou
substituí-los por outros objetos ou retornar temporariamente ao ego. Mas
permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse desligamento da
libido de seus objetos deve constituir um processo tão penoso, até agora
não fomos capazes de formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos
apenas que a libido se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que
se perderam, mesmo quando um substituto se acha bem à mão. Assim é o
luto.
Minha palestra com o poeta ocorreu no
verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe
subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza dos campos
que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como
também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização,
nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças
quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as
raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos
instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus
espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de
ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez
nosso país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do
muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que
consideráramos imutáveis.
Não pode surpreender-nos o fato de que
nossa libido, assim privada de tantos dos seus objetos, se tenha apegado
com intensidade ainda maior ao que nos sobrou, que o amor pela nossa
pátria, nossa afeição pelos que se acham mais próximos de nós e nosso
orgulho pelo que nos é comum, subitamente se tenham tornado mais
vigorosos. Contudo, será que aqueles outros bens, que agora perdemos,
realmente deixaram de ter qualquer valor para nós por se revelarem tão
perecíveis e tão sem resistência? Isso parece ser o caso de muitos de
nós; só que, na minha opinião, mais uma vez, erradamente. Creio que
aqueles que pensam assim, de e parecem prontos a aceitar uma renúncia
permanente porque o que era precioso revelou não ser duradouro,
encontram-se simplesmente num estado de luto pelo que se perdeu. O luto,
como sabemos, por mais doloroso que possa ser, chega a um fim
espontâneo. Quando renunciou a tudo que foi perdido, então consumiu-se a
si próprio, e nossa libido fica mais uma vez livre (enquanto ainda
formos jovens e ativos) para substituir os objetos perdidos por novos
igualmente, ou ainda mais, preciosos. É de esperar que isso também seja
verdade em relação às perdas causadas pela presente guerra. Quando o
luto tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito em que tínhamos
as riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua
fragilidade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em
terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes.
(A presente tradução inglesa é uma reimpressão ligeiramente alterada da que foi publicada em 1950. Este ensaio foi escrito em novembro de
1915, a convite da Berliner Goetherbund (Sociedade Goethe de Berlim)
para um volume comemorativo lançado no ano seguinte sob o título de Das Land Goethes (O
País de Goethe). Esse volume, produzido com esmero, enfeixava grande
número de contribuições de autores e artistas conhecidos, passados e
atuais, como von Bülow, von Brentano, Ricardo Huch, Hauptmann e
Liebermann. O original alemão (exceto o quadro que apresenta dos
sentimetnos de Freud sobre a guerra, que estava então em seu segundo
ano) constitui excelente prova de seus poderes literários. É
interessante notar que o ensaio abrange um enunciado da teoria do luto
contido em ‘Luto e Melancolia’ (1971e), que Freud escrevera alguns meses
antes, mas que só foi publicado dois anos depois.)
Vol. XIV das Obras Completas de Sigmund Freud – (12) SOBRE A TRANSITORIEDADE (1916) - Original em alemão: VERGÄNGLICHKEIT
Vol. XIV das Obras Completas de Sigmund Freud – (12) SOBRE A TRANSITORIEDADE (1916) - Original em alemão: VERGÄNGLICHKEIT
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