Entrevista realizada pela repórter Sheron Alencar com o psicólogo René Schubert:
- Qual a idade correta para conversar com as crianças sobre assédio sexual?
Na
verdade não existe uma idade exata para abordar o tema da sexualidade
com crianças. Geralmente o indicativo virá da própria criança. Por sua
curiosidade e observação do mundo que a cerca, buscará o pai ou a mãe
para encontrar respostas para perguntas que lhe incomodam ou causam
interesse, como por exemplo: Todo mundo tem pipi? O que é vagina? Menina
tem pipi pequeno? Meninos são diferentes? Como o bebê foi parar na sua
barriga mãe? De onde eu vim?
Isto poderá ser muito
cedo, com 3, 4 anos, ou talvez até antes - depende muito do entorno da
criança e dos estimulos que ela tem em casa e no meio social. Muitas
perguntas surgem quando a criança começa a frequentar a escolinha e
começa a perceber as diferenças que há entre ela e as demais crianças,
familias diferentes, adultos diferentes, jeitos diferentes. Porém, a
partir do momento que estas perguntas surgirem, os pais devem
responde-las pontualmente, em uma linguagem acessível para a criança e
com naturalidade. Por vezes a criança trará diversas perguntas de uma
vez. Outras, fará uma pergunta e silenciará após ouvir a resposta. A
criança estará processando a informação, e contrapondo tal com o que ele
viu ou ouviu. As vezes uma curta resposta lhe bastará e aquietará por
um tempo. Em outras vezes tal será motivo para novas perguntas e
descobertas.
Geralmente quando a criança começa a
desenvolver certas noções como a utilização do banheiro, começa a tomar
banho sozinha, percebe a existência de um banheiro masculino e de um
feminino no shopping por exemplo, é uma ótima oportunidade para o pai ou
mãe começarem a falar para a criança da importância dela cuidar de seu
corpo -e assim se abre a possibilidade para falar do tema da intimidade.
Muitas vezes é a mãe que fará tal caminho com a criança pois é
geralmente ela quem está mais próxima em relação ao corpo da criança
quanto a higiene, limpeza e cuidados gerais. E de pouco a pouco a mãe,
responsável, permitirá que a criança vá desenvolvendo autonomia nestes
cuidados.
Conforme a criança for instruída em relação
aos cuidados com o seu corpo, é importante também ressaltar para esta
que o corpo é dela/dele e precisa ser bem cuidado. E não é qualquer um
que pode toca-la, manipulá-la, mexer - há pessoas de confiança como o
pai e a mãe que podem estar próximos, orientar e ajudar, mas outras
pessoas apenas com a autorização e conhecimento do papai e da mamãe. A
criança muito cedo começa a compreender esta linguagem e mensagem - ela
confia no pai e na mãe, e o cuidado que estes tem com ela, provavelmente
serão incorporados e replicados, principalmente se a criança for
instruída desta forma.
Novamente, isto deve ser
feito numa linguagem acessível e com naturalidade. Não há necessidade de
se dar uma aula de fisiologia e se adiantar nos temas falando de abuso
sexual e métodos contraceptivos...tais temas virão, naturalmente, mais
para frente. Em um primeiro momento é importante a criança saber que ela
tem algo muito importante, que é o seu corpo, e que ela pode cuidar
dele também, assim como o papai e a mamãe cuidam dela/dele. Este
discurso começa a abrir a possibilidade futura de autonomia,
independência e responsabilidade - sobre o corpo dela, sobre sua
intimidade.
-
Para falar sobre assédio é preciso falar sobre sexualidade, como
explicar a questão do corpo para a criança? (intimidade, partes do
corpo,)
Geralmente tal surge naturalmente e
espontaneamente na relação entre o responsavel e a criança. Pelo fato do
papai, ou da mamãe, sempre ajudar a limpar, a dar banho, a
instruir...questões sobre o corpo vão surgir...e ai vem a parte
importante...para o responsável, a resposta deve vir de forma espontanea
e natural. Não é nada ameaçador ou perigoso falar sobre o corpo com a
criança. Ela por exemplo vai olhar o pai e perguntar por que ele tem
tantos pelos no rosto, ou nos braços...e se talvez um dia ela, ele
também vão ter tantos pêlos?
Assim a criança abriu a
possibilidade de se falar do desenvolvimento do corpo. Da puberdade. Das
mudanças que ainda virão...lá para frente.
É
importante lembrar que para a criança, o pai, a mãe, sempre foram
adultos. São os pais que vão trazer a informação, para a criança, de que
eles também já foram criança. Que eles também já tiveram um corpo
miúdo. E que com o tempo o corpo mudou. Cresceu. Se transformou.
E
uma das transformações, antes de virar adulto, é a percepção da
diferença entre menino e menina. Menino e menina as vezes são diferentes
na roupa, no jeito, nos detalhes. E, menino e menina, também são
diferentes no corpo. A criança vai notar estas diferenças. O papai é de
um jeito, a mamãe é de outro. Sem falar, que ela também observa as
pessoas na rua, na escola, na casa da vovó, na casa dos primos.
Assim
pouco a pouco se falará para a criança da existência de um corpo
diferente do dela. Da existência de um pintinho nos meninos e da
existência de uma periquita nas meninas. Claro, cada família terá uma
forma particular de abordar e falar sobre isto. Por vezes a criança
perceberá inclusive que os animais domésticos também são diferenciados
em masculino e feminino.
A diferença de gênero é um
passo importante para a criança compreender muitas das coisas que
acontecem a sua volta. E só isto ocupará ela por bastante tempo, em
observações e pesquisas. Mas está é a porta de entrada para outros temas
posteriores, como por exemplo, a sua origem, a relação sexual.
- Deve-se falar sobre estupro,
doenças sexualmente transmissíveis, explicar no geral ou ir aos poucos,
abordar um assunto de cada vez?
O tema da sexualidade é amplo, é
complexo. Geralmente ele pede que retornemos a ele de diferentes formas
em diferentes momentos. E ele está sempre mudando e em movimento.
O
ideal, seria ir aos poucos, conforme os temas e assuntos vão chegando.
Cada coisa de sua vez. Mas, infelizmente, nem sempre tal é possível.
Desta
maneira depende muito da compreensão e contexto da criança. A linguagem
precisa ser acessível, inteligível, para que a criança possa trazer
isto para o mundo dela. Dependendo da idade, muito do que se falará será
tecido com a fantasia e imaginação da criança. Por isto é importante,
que os pais, se tiverem dificuldade neste sentido, buscarem auxilio com
algum profissional que possa intermediar tal conversa e explicação. Pode
ser um médico, psicólogo, um psicopedagogo, uma professora ou
professor, que tenham facilidade com o assunto e proximidade com a
criança.
Há crianças com as quais se pode falar de
temas mais complexos como o estupro, pois são crianças que vivem e
convivem em um contexto de risco e de exposição - e a própria postura
protetiva e cuidadosa dos pais já irá passar uma mensagem de perigo e
atenção para a criança. Mas é importante que ela saiba que perigo é este
- caso contrario, sua fantasia e imaginação poderão criar muito além do
que existe realmente.
- E como ajudar a criança identificar quais as formas de assédio? Onde e como ele começa?
Se a criança já tem uma noção de corpo e intimidade, este assunto flui de maneira mais tranquila. Podem ser demonstradas e exemplificadas situações nas quais a criança deve estar atenta, como no caso dela/dele estarem no banheiro da escola, no banheiro do shopping, atitudes e comportamentos suspeitos no transporte público, ou no parquinho.
É importante falar para a criança que qualquer situação que a constranja ou na qual ela não se sinta a vontade, pode e deve chamar os pais ou algum responsável. Falar que a mamãe, papai, ou responsável sempre estarão atentos, mas, se por acaso algo acontecer no qual estes responsáveis não estão próximos e a criança sente que há algo estranho ou incomodo que se afaste e busque ajuda, orientação com uma pessoa de confiança.
Se a criança é muito pequena, pode-se utilizar o recurso dos contos de fadas e historinhas infantis para falar do mundo externo e das situações possíveis. Do bom e do mau. Do seguro e do perigoso. Do privado, particular e intimo e do coletivo, compartilhado e acessível.
Como dito, a temática exige um certo esmiuçamento por ser complexa e ampla. E cada caso, acaba tendo situações diferentes e rumos diversos.
Entrevista completa realizada pela repórter Sheron Alencar com o psicólogo René Schubert e publicada sob o título "Cuidado com o assédio de menores", na Revista 7 Dias com você, Editora Escala, Edição 659, São Paulo, Janeiro 2016
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