Foram levantadas algumas questões pela Repórter Sheron Alencar ao psicólogo René Schubert a partir da temática: 4 atitudes que enfraquecem o relacionamento emocional entre pais e filho. A seguir a reflexão feita a partir destas atitudes:
No quesito 4 atitudes que enfraquecem o relacionamento entre
pais e filhos:
- Não os escutar;
- Castigar, transmitir falta de confiança;
- Compará-los com outras crianças;
- Gritar com eles e não argumentar.
Todos os tópicos foram bem selecionados e realmente se
tornam um ruído ou possível gerador de mal entendidos na comunicação e
relacionamento pais e filhos.
Claro que, como psicoterapeuta, ao fazer o psicodiagnóstico
infantil, investigo no processo de anamnese o histórico não só do sintoma
apresentado pela criança (filho ou filha) como também dos pais e do sistema
familiar como um todo. Investigo a história do casal, o hábitos e
comportamentos comuns ao casal, o contexto cultural da família, sua origem,
seus valores, a comunicação entre o casal, conflitos, dificuldades, o momento
do nascimento da criança, os acontecimentos posteriores ao nascimento da
criança. O núcleo familiar no qual a criança está inserida e o contexto
histórico e cultural sempre precisam ser pesquisados, avaliados e juntamente
com a família e paciente, serem contextualizados, questionados e dialetizados. O
que pode ser mobilizado, alterado, resinificado, transformado, e aquilo que
não!
Digo isto pois, dependendo da origem cultural e hábitos,
posturas da família, certos tópicos, como o castigo, a exposição em público, o
falar alto ou a dificuldade de estabelecer um contato direto e natural,
espontâneo com a criança, podem ter suas origens na dinâmica e histórico da
família como um sistema maior e anterior (por exemplo: famílias que emigraram
ao Brasil fugindo de zonas de conflito, guerra / famílias que sofreram
perseguição racial, política, religiosa / famílias que sofreram muitas perdas
de membros familiares por doenças, rixas, conflitos). Ou seja tais dados
precisam ser avaliados e contextualizados - trazidos a tona, descobertos, e
então movimentados dentro das possibilidades daquele sistema familiar, das
crenças, posturas e comportamentos daquele grupo familiar.
1. Não os escutar / ignorar / ser indiferente à
fala da criança - A criança baseia seu mundo e percepções a partir daquilo que
ela capta em seu sistema familiar e entorno. Ela identifica-se com as figuras
paterna e materna e busca com estas, validar suas percepções, crenças e ideias.
Como apontado certa vez por um paciente adolescente, a família forma uma
"caixa de ressonância" - na qual certos conteúdos são confirmados e
reforçados, e outros ignorados, negados e deixados de lado.
Quando a criança percebe que seu discurso é ignorado ou
constantemente deixado de lado por seus pais, muitas vezes sentirá-se
inadequada e insegura. Terá como feedback a impressão que ela não consegue
absorver adequadamente ritos, regras, ideias, conceitos de sua família. Sentirá
que aquilo que ela diz, fala, expressa, não é validado pelas figuras de
importância e identificação por ela escolhidas. Poderá tornar-se extremamente
retraída, tímida, insegura, ou ao contrário, tornar-se socialmente arredia,
agressiva e distante do sistema familiar. Buscará então referências fora de seu
sistema familiar, buscando aliviar o sentimento de inadequação e insegurança
proveniente de um discurso ignorado e desvalorizado pelos pais e responsáveis.
Isto poderá ocasionar um sentimento de estranheza ou mesmo falta de
identificação, identidade, como os valores, padrões e discursos familiares. A
criança talvez se afastará do sistema familiar, buscando fora algum lugar de
pertencimento e identificação.
2. Castigar , transmitir falta de confiança - O
castigo muitas vezes surge como sinalizador daquilo que, dentro do sistema
familiar, é certo e do que é errado / do bom e do ruim / do sistema de crenças
morais daquele sistema familiar. A criança logo cedo identifica o que é
permitido e o que é proibido. E dentro desta esfera, em relação ao pai e a mãe,
identifica o que é aceito e permitido por um, e não pelo outro - no processo de
alteridade, distinção entre pai e mãe. Assim como a criança percebe claramente
esta esfera, também percebe quando algo é condizente ou não. Sintônico ou não.
Assim, se o pai, ou a mãe, castiga a criança por ter feito algo que eles mesmos
fazem, talvez diariamente, criará desconfiança e rebeldia na criança. A criança imita ao pais,
inclusive nos aspectos, efeitos, "negativos". O castigo geralmente
tem mão dupla - ou seja, é uma restrição a quem o sofre, e a quem o aplica.
Colocar uma criança de castigo por ela ter gritado, implica muitas vezes, para
o adulto, prestar atenção se o gritar não é um padrão familiar, inclusive entre
os adultos. Para mudar isto na criança, será necessário mudar também o padrão
entre os adultos. Desta forma, o castigo precisa ter sentido, ser sintônico,
ter uma estratégia ampla e com um sentido de consciência e disciplina.
O castigo agressivo, brutal, via de regra, tem pouquíssimo
efeito positivo, a não ser o de passar para a criança a noção de expressar a
brutalidade e agressividade como movimento de imposição e força.
Se a família usa do castigo agressivo, da agressão física,
da coerção moral e física, como forma de disciplina - tal característica também
será replicada, imitada posteriormente pela criança - ou seja, o mais forte se
impõe me agredindo, assim, quando eu for forte, vou me impor agredindo. É a
diferença entre respeito e força física. Um ensina pelo exemplo, outro pela
coerção, medo, repressão e violência.
Claro que também existe o risco da criança tornar-se
extremamente insegura, retraída e inadequada pelas constantes agressões físicas
e morais sofridas - a personalidade desta terá marcas afetivas e psíquicas que
trarão muitas complicações a longo prazo e para a posterioridade. Tornará-se
uma pessoa fragilizada, arredia, enfraquecida, no dia a dia, nos
relacionamentos.
3. Compará-los com outras crianças - Em alguns
casos incorremos o risco, erro, de
comparar a criança com outras, e o resultado, na maioria das vezes, é fazer a
mesma sentir-se inadequada, errada, falha. Uma estratégia diferente é buscar
uma história, modelo, que faça a criança aperceber-se de sua dinâmica e
resultados decorrentes. As histórias infantis, os contos de fada, por exemplo,
tem um resultado mais apropriado neste sentido. Por meio da fantasia e relato
de uma história, do percurso de um personagem, a criança entra em contato com a
noção e atos e consequências, atitudes e efeitos, moral e/ou ética. Agora
quando pegamos uma outra criança como exemplo, de certa forma estamos passando
a seguinte mensagem: se fosse fulano, tudo daria certo, seria bonito, agora
você, só faz errado - faz que nem fulano, que aí não sai errado. Esta
estratégia diminui a criança, fazendo-a ter raiva, inveja, ódio do outro, como
a qual está sendo comparada. Desincentiva a criança. Melhor apontar diretamente
a situação que desagrada, e apontar o por que
tal é desagradável, explicando as consequências, efeitos e resultados.
Não no sentido: "você é o erro, mas sim, houve um erro, e este ocorreu
desta e daquela maneira - talvez desta ou de outra maneira seja melhor".
4. Gritar com eles e não argumentar- impor-se pela
força física ou pela sonoridade de seu timbre, ensina uma forma de proceder, e
não uma forma adequada e sociável de se fazer ouvir e valer. Novamente, a
criança identifica-se com os padrões e formas de proceder dentro da família.
Se, por exemplo, ela vê o pai ralar com a mãe, gritar com o irmão, com a sogra,
com o carteiro, com ele mesmo, entenderá que esta é uma forma adequada de agir,
e possivelmente, por identificação, replicará este modelo, gritando, ralando,
vociferando para impor sua postura e ideias. Nós, adultos, somos modelos, e as
crianças estão constantemente nos observando e mimetizando - tanto nos aspectos
positivos, como negativos. Elas se identificam conosco num aspecto total,
tomando-nos por inteiro.
Em famílias nas quais o timbre alto é padrão de comunicação,
geralmente as crianças não conseguem abaixar o timbre, gritos e excessos -
exatamente pois percebem tal como normal, natural, familiar. Tal será um
complicador posterior para a criança, nos relacionamentos afetivos e sociais,
nos quais seu timbre será apontado como excessivo, alto, desrespeitoso.
Se os pais demonstram que é possível conversar, mostrando e
demonstrando pontos de vista, exemplos, argumentando, dialetizando - mostram um
forma diferente de postura e discurso. No qual o timbre não se impõe, e sim as
ideias. No qual a força do tom não é necessária, e sim o ponto de vista.
Desta forma ela terá a impressão que, mesmo sendo jovem e
com pouca experiência, pode ter pontos de vista e este podem ser abordados,
ouvidos e explanados - sem excessos, sem gritos, sem medo. Muitas vezes
perceberá que seu ponto de vista auxilia, e muito, aos pais. Que, como ela,
também já foram jovens... também tiveram outros pontos de vista, fantasias, sonhos...
e que este intercâmbio, entre fases tão diferentes, não só é possível, como é
muito rico e frutífero, tanto para pais, como filhos.
Esta é a entrevista completa realizada pela repórter Sheron Alencar com o psicólogo René Schubert e publicada sob o título "Aprenda a educar!", na Revista 7 Dias com você, Editora Escala, Edição 661, São Paulo, Fevereiro 2016
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