1 1) O que geralmente leva alguém a adotar um animal?
A relação Homem – Animal remete aos tempos antigos, quando o homem percebeu que poderia exercer certo poder de controle sobre certas espécies, dominando-as e fazendo-as obedecer a sua vontade. Desenvolveu-se assim, uma relação de poder e de troca com estes animais. Alguns deles eram usados para a caça; outros para transportar utensílios e auxiliar na locomoção de pessoas; outros para produção de alimentos ou mesmo para posterior abate. No entanto, algumas espécies se destacaram pela importância psíquica que desenvolveram junto ao homem: o animal doméstico. Este se tornou também companhia e parte importante do dia a dia do homem e de sua família. Pela relação afetivo-instintiva, tornou-se parte da família. Houve então, clara distinção entre o animal selvagem, rural, urbano e o doméstico – este último ocupando um lugar fundamental na dinâmica sistêmica de muitas famílias. Como grande destaque está o cachorro, considerado popularmente como “o melhor amigo do homem”.
Cachorro, gato, diferentes tipos de aves, jabutis, coelhos, peixes, cada qual com suas características próprias, todos têm um ponto comum: são animais domésticos(Doméstico: relativo à casa, ao lar). A carga afetiva, depositada em qualquer um destes animais, ressalta sua importância na dinâmica familiar. Eles podem: proteger o lar, como um cachorro; fazer companhia, como um gato ou pássaro; tranquilizar e acalmar pelo movimento como os peixes e assim por diante. Contudo, o que realmente importa é o valor sentimental que o animal tem para o seu dono – existe carinho, saudade, preocupação, receio, amor – fazendo deste um integrante do sistema familiar.
No recente filme “Avatar”, isto é simbolizado pela vinculação fisico-afetiva que o povo alienígena do planeta Pandora tem com diferentes animais deste planeta – eles, por meio da conexão física e afetiva com os animais, sentem o que estes sentem, e os animais da mesma forma com os seus donos. É uma relação de poder, dominação, troca e respeito.
A adoção de um animal contém uma troca afetiva, uma vinculação. O animal passa a ocupar um lugar afetivo na vida da pessoa que se torna “sua dona”. Um cuida do outro. E este cuidado e troca estimulam diversos sentimentos e emoções no homem, geralmente benéficas e construtivas.
Certa vez uma paciente solteira, de aproximadamente 45 anos, que possui, atualmente, um canário e um peixinho dourado em seu apartamento, me contou como se lembrava de criança das “traquinagens” que fazia com seus irmãos e com os cachorros no sítio dos pais. Os cachorros eram membros integrantes da trupe, não havendo muita distinção pelo fato de serem cachorros. Eles estavam lá e participavam ativamente, contribuindo com risos, abraços, arranhões, quedas, pulos, choros e tantas outras sensações e experiências fundamentais para nós, humanos. Esta paciente trazia tais vivências marcadas em sua memória e em seu corpo.
2) Como o convívio com os animais pode beneficiar uma pessoa?
Os animais, por sua relação instintiva com os humanos, trazem a tona os afetos mais primitivos e despidos de máscaras, do homem. É como se o homem se entregasse afetivamente quando afaga a cabeça de um cachorro ou quando recebe por parte do papagaio, o direito de lhe fazer cafuné. É um sentimento de excitação e entrega comum às crianças - livre de preconceitos, medos, rituais –é a troca afetiva pura.
A fidelidade, lealdade e entrega do animal também comove e toca o ser humano que vê nestes, exemplos de relações afetivas e troca relacional positiva.
Em consultório, quando há pacientes muito resistentes ao tratamento, ou com dificuldade em lidar com certos afetos, como o luto, a perda, a alegria, a troca, usa-se como técnica, a zooterapia e/ou pet terapia. Por meio do contato com o animal, muitas vezes o paciente vai afrouxando sua rigidez e seus receios, trazendo a tona seus afetos e permitindo a catarse afetiva. Animais são excelentes co-terapeutas, pois agem diretamente pela linguagem instintiva, facilitando a aproximação e a troca afetiva. Por exemplo: certo paciente com quadro diagnóstico de autismo, 6 anos de idade, apresentava muito medo, ficando recolhido nos cantos do consultório. Sua atenção foi despertada quando incluí dois jabutis nas sessões. Estes, quando o garoto se aproximava abruptamente, se escondiam no casco, frustrando-o. Aos poucos, por querer contatar com estes divertidos e medrosos animais, foi observando e aprendendo a se aproximar aos poucos, fazendo com que os jabutis não se escondessem e, finalmente, permitissem que ele lhes acariciasse o casco e as patas. Tal conquista foi marcada pela flexibilidade em sua habitual retração e pela presença de expressões sonoras de prazer e alegria, anteriormente raras. Os jabutis passaram a ser presença de destaque e constante no tratamento deste paciente que, hoje, brinca com cachorros e também monta a cavalo, nas sessões de equoterapia.
Em ambulatórios clínicos infantis e hospitais psiquiátricos, muitas vezes o animal é utilizado como ferramenta clínica, pois facilita a aproximação, a troca, o contato, auxiliando no tratamento e no quadro clínico dos pacientes.
Os filmes da Walt Disney perceberam a importância simbólica do animal em nossa vida e a utilizaram em diversos filmes voltados para o público infantil e adulto. Tais filmes despertam e estimulam diversos afetos na plateia, transformando a experiência cinematográfica em um veículo para expressão afetiva de alegria, tristeza, raiva, amor, entre outras.
3) Para os casais, especificamente, quais seriam os benefícios de ter um animal?
Muitas vezes, casais recorrem a um animal doméstico como um treino para a gestação e criação de um filho. Obviamente, são relações completamente diferentes, mas o animal doméstico também exige cuidados diários, recreação, atenção, brincadeiras. Assim, para muitos casais, o animal funciona como uma divertida prévia, afastando muitas fantasias e receios envolvidos no cuidar de um ser indefeso, menor, dependente.
4) Que tipo de animal seria recomendado, por exemplo, para quem é solteiro e mora sozinho (como companhia)?
Muitos animais, por suas características dinâmicas e de personalidade, atraem pessoas que estão em sintonia com estas características, ou seja, uma pessoa mais introspectiva, racional poderia se dar muito bem com um gato, enquanto uma extrovertida e sentimental preferiria um cachorro. Entretanto, é difícil estabelecer uma regra generalista, podemos citar exemplos, mas estes não vão caber a todos.
Em minha experiência com a Equoterapia - Hipoterapia - tratamento por intermédio da montaria de equinos - percebo que a aproximação e vinculação com o cavalo por parte do paciente variam muito de acordo com as características individuais de cada um. Alguns têm medo, outros nojo, alguns demonstram admiração, alegria e tais reações são captadas rapidamente pelo animal, que por sua parte reage a estes. Demora-se algum tempo para estabelecer uma sintonia e vinculação com aquele animal, mas depois de estabelecida, percebemos, como terapeutas, que o cavalo funciona como facilitador de processos, não só no sentido fisioterapêutico, mas principalmente no social e afetivo.
Uma pessoa que mora sozinha e tem um grande quintal, pode sentir-se estimulada a ter vários cachorros ou de repente ter uma criação de coelhos. Há aqueles, considerados excêntricos, que têm cobras, escorpiões e grandes felinos como animais de estimação. Esta característica vai variar de pessoa para pessoa.
O mais comum, por questões econômicas, facilidade de acesso e cuidados gerais, é o cachorro. Nossa sociedade desenvolveu muitos aparatos para tornar o cachorro, membro ativo da família humana. Nas grandes cidades temos diversos pet-shops, hospitais veterinários, hotéis e até cemitérios voltados para cachorros, evidenciando a relação estreita entre homem e animal.
5) E quando o animal morre, como superar a perda?
O luto é a melhor forma de superação da perda – e este, é vivido por cada ser humano, de maneira singular, pois depende da maturidade, história e experiência de vida de cada um.
O luto requer tempo e movimento. Muitos recorrem à adoção de outro animal, como forma de substituição. Bem, afetivamente este novo animal terá outra carga afetiva e lugar, pois aquela, ocupada pelo animal anterior, não pode ser substituída, mas sim, transformada após o passar do tempo e da convivência.
A perda nos transforma, pois envolve uma carga emocional muito grande – fez-se um investimento afetivo sobre um animal, que tinha nome, trejeitos próprios, cheiro, manias, e ele parte, deixando um vazio. Este vazio vai se dissolver e transformar com o tempo, mas isto depende do movimento que a pessoa fizer.
A perda de um animal é uma forma de ensinar, por mais difícil que seja, a perda para as crianças. Quando o animal morre, a criança precisa lidar com a tristeza, mágoa, frustração, raiva. E muitas vezes o adulto vai ensiná-la a lidar com estes sentimentos e emoções, por já ter amadurecido com outras perdas, por já conhecê-las. Claro, nunca estamos preparados para a perda e para o que ela deixa atrás de si, mas desenvolvemos ferramentas psíquicas para seguir adiante, continuar construindo.
6) Alguma outra dica que poderia servir para quem está pensando em adotar um animal?
O contato inicial com o animal é ótimo para facilitar tal escolha. O animal vai despertar afeto e sentimento particulares em cada um, ninguém melhor do que nós mesmos para julgar com qual animal nos sentimos mais a vontade e estimulados.
Visitar alguns pet shops e fazendas com diversos animais para tomar contato com os mesmos – hoje em dia há muitas entidades que proporcionam o contato com os mais diversos tipos de animais em condições seguras e controladas – é uma dica acessível.
Outra seria estudar algumas espécies e verificar o que determinado animal lhe causa, afetivamente, e o que você pode proporcionar a ele, afinal é muito complicado ter um cachorro da raça Pastor Alemão ou Rottweiler num apartamento, por exemplo.
Cada animal implica em cuidados específicos de ambiente, alimentação, vitaminas, dentre outros. Por isso é importante verificar estas questões antes de se adotar um.
O animal traz nova vida e energia para uma casa, pois a modifica com sua presença. Obriga-nos a novas rotinas e cuidados. Chama-nos para responsabilidade e muitas vezes para o lúdico, o que torna tal relação tão saudável e construtiva. Tais aspectos ficam evidentes nos filmes: “O Corcel Negro”, “Spirit – o corcel indomável”, “Os 101 dalmatas”, “Flipper” ,“Melhor Impossível”, “Marley e Eu”, "Cavalo de Guerra", “Sempre ao seu lado”, "O touro Ferdinando", "Madagascar", "Irmão Urso", Dr. Dolittle" "Mogli", "Dança com lobos", "Free Willy", "Nise, o coração da loucura"
Entrevista inicialmente concedida à Revista Medialuna Comunicações (Janeiro 2011), sobre a temática da relação homem e animal doméstico.
Posteriormente o texto foi revisto e adaptado para publicações no site da Ampara Animal e para publicação de capitulo no 2º Volume do Tratado de Medicina Veterinária Sistêmica.
2 comentários:
poderia me informar quem foi o entrevistado ???
Olá Erick, fui eu mesmo, escritor deste blog, René Schubert.
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