( A morte da Virgem - Pintura de Raimundo de Oliveira)
A morte e sua correspondente noção de perda, fazem parte do
desenvolvimento humano desde a mais tenra idade e acompanham o ser humano no seu
ciclo vital, deixando suas marcas. No passar destas etapas podemos desenvolver
certa maturidade em relação a este processo:
- Durante a nossa primeira infância não se apreende nem o sentido da vida nem o sentido da morte.
- Na segunda infância se começa a personificar a morte como algo externo a nós e por volta dos oito a nove anos inicia a compreensão de que não se é imortal e que a morte vem para todos.
- Na adolescência apesar se ter a compreensão intelectual do fato ainda não se tem a maturidade emocional e os jovens se comportam como “heróis” que sempre vencem, e nunca morrem.
- No começo da idade adulta ainda se vislumbra a morte como algo distante, de nossa família e amigos mais próximos. Há muito para se construir e assume-se uma postura de que não há espaço para interrupções nestes planos e sonhos de futuro.
- Na meia-idade, a morte e a perda começam a ser encaradas de frente, não há como fugir mais do fato. Admitiu-se tanto intelectual, como emocional e existencialmente a possibilidade de finitude. Por meio de vivencias de perdas encontra-se o mundo real que contempla tanto a vida quanto a morte. Perdem-se avós, pais, amigos, familiares e não se pode negar a realidade que se impõe à vontade de permanecer.
- Os idosos em sua maioria já não sentem o mesmo medo da morte que sentiam nas fases anteriores do desenvolvimento. Apesar da finitude estar mais próxima e causar ansiedade, funciona também como uma preparação para o momento final. Há uma clara consciência do percurso de vida, dos feitos realizados, da família criada, e isto trás outra maneira de ver, sentir e pensar a transitoriedade.
Claro
que o desenvolvimento deste amadurecimento emocional é variável de pessoa para
pessoa e tem forte relação com o contorno cultural, vivencias de vida e crenças
religiosas e espirituais da pessoa. A postura frente a transitoriedade, impermanência e evanescencia das coisas é singular em cada Ser Humano.
Reações à perda: processos de luto
Ao
se falar de morte, inevitavelmente, o tema nos conduz ao processo do luto, que
se refere ao conjunto de reações diante de uma perda. Lembramos que existem
mortes e processos de luto por ausências, separações e vivência de desamparo. O
processo de luto se dará diferentemente. Quanto maior o investimento afetivo,
quanto maior o apego, tanto maior a energia necessária para o desligamento e
elaboração da perda.
O
enlutado por qualquer tipo de perda deve ter a mesma atenção e cuidados por
parte de quem o acompanha, seja o psicoterapeuta, o guia religioso,a família ou
a sociedade. Perda significa privação e qualquer pessoa que passe por uma
privação sente-a como a pior dor do mundo. Não podemos mensurar a dor do outro.
Em qualquer tipo de perda, seja ela concreta (morte) ou simbólica (separação),
é muito difícil quantificar a dor que a pessoa sente.
Colin Murray Parkes coloca que o luto é a experiência
psicológica mais dolorosa que qualquer pessoa irá vivernciar e, quanto maior é
o amor, maior é essa dor. Da mesma maneira, quanto maior o apego, maior o
sofrimento. O psiquiatra britânico complementa: “Não há dúvida, o luto é um
preço que temos de pagar. Algumas pessoas acham seu luto tão doloroso que ficam
com medo de amar novamente”.
E
realmente muitas pessoas entram em um processo patológico depressivo e
melancólico, que pode durar anos, uma vida inteira ou ate influenciar as
gerações seguintes. Anos sofrendo por um
objeto externo e interno perdido. Isto denuncia a dificuldade para desapegar-se
do ente querido, elaborar a perda e seguir a vida apesar de.
Para Sigmund Freud : “luto é a reação à perda de um ente querido,
à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, a perda de
um objeto externo e/ou interno, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e
assim por diante”. Esta perda tem uma dinâmica externa, visível à sociedade
e interna, silenciosa e invisível. Muitas vezes se faz o luto pelo objeto
externo, pelo corpo, pelo que havia na realidade, mas não se consegue fazer o
luto pelo objeto internalizado, idealizado. E a não vivencia e elaboração deste
processo de luto e perda, prende simbolicamente a pessoa a esta situação, por
mais tempo que tenha se passado.
As reações mais esperadas frente à morte
são: entorpecimento, estarrecimento, ilusão, desespero, descrença, histeria,
pânico e choque. As inesperadas podem levar a confusão mental, estado de
catatonia, depressão, colapso nervoso, reações psicossomáticas, adoecimento, e
surto psicótico.
O psicólogo britânico John Bowlby nos
fala das fases do processo de luto. A primeira, o entorpecimento, a sensação de
torpor e choque nos defende por algumas horas. A segunda, o anseio e busca da
figura perdida que dura meses e anos. É comum e natural que a pessoa enlutada
veja sinais da pessoa falecida em tudo. Ele escuta a voz do morto, sente seu
cheiro, sonha muito freqüentemente, escuta passos e tem a impressão de que o
morto está presente. A terceira é a desorganização e desespero, o momento de
enfrentamento da realidade. A quarta fase é a reorganização – quando a pessoa
começa pouco a pouco retomar sua vida e rotina, de uma forma diferente, nova. É
neste momento que ela irá resignificar a sua vida. Neste momento irá aceitar a
realidade, por mais dura e dificil que seja. Ira se confrontar e trabalhar a
dor da perda. Buscará se readaptar ao local onde vivia com a pessoa falecida e
com os comportamentos sociais e culturais que partilhava.
De
forma parecida a psiquiatra suíça
Elisabeth Kübler-Ross descreve alguns estágios de sentimentos e afetos que se
seguem à perda, que variam de pessoa para pessoa, e que podem inverter sua
seqüência, mas que estão envolvidos no processo de elaboração e luto: Negação e isolamento; raiva; barganha;
tristeza e desânimo generalizado; aceitação.
Também afirma
que alguns processos são importantes para elaboração do luto, entre os quais:
(1) reconhecer o luto, (2) reagir à separação, (3) recolher e re-vivenciar as
experiências com a pessoa perdida, (4) abandonar ou se desligar de relações
antigas, (5) reajustar-se a uma nova situação, (6) reinvestir energia em novas
relações.
Ter a morte como companheira...
O psicanalista norte americano Irvin
Yalom aponta que o medo da morte sempre
se infiltra por baixo da superfície, assombrando as pessoas durante toda a
vida, fazendo com que estas ergam fortes defesas psíquicas contra estas –
muitas destas defesas baseadas na negação. É um tema que surge direta ou
indiretamente nas terapias. A evanescência e transitoriedade das pessoas e
coisas é um fato diário e que exatamente por sua natureza efêmera, torna a vida
bela, dando valor aos objetos e seres, pois estes passam, como pontuou o
psicanalista Sigmund Freud. Yalom sugere que o psicoterapeuta deva falar
abertamente sobre a morte com seus clientes. Conta como em sua experiência com
pacientes terminais, estes puderam dar um novo significado e força à sua vida,
a partir da conscientização da morte: “revêem
as prioridades de seus valores e começam a trivializar as futilidades de suas
vidas. É como se o câncer curasse a neurose – fobias e preocupações pessoais
mesquinhas parecem se desfazer”. Destaca também como o Luto, o lidar com a
perda e/ou morte do outro, é uma experiência limite cujo poder é raramente
aproveitado no processo terapêutico – processar e elaborar o luto leva a
reparação de objetos e imagens internas e externas e leva os indivíduos a
atingirem um novo nível de maturidade e sabedoria.
O
psicanalista e teólogo brasileiro Rubem Alves também pontua a importância de se
refletir e se aproximar da finitude e transitoridade nossa, e das coisas.
Relembra que nas escrituras sagradas encontramos: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para
morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A
"reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a
morte chegue quando a vida deseja ir.
Os profissionais Aroldo Escudeiro, Maria
Julia Kovács e Colin Murray Parkes apontam e defendem os benefícios de uma educação para o luto e a
morte, no sentido de falar abertamente sobre isto com crianças, em escolas e
instituições. Seguir na linha contraria à morte interdita, tornando-a novamente
um fato natural: “se faz necessário que
os profissionais se disponham mais a refletir e trabalhar as questões
pertinentes à morte e a perda, pois com certeza isso facilitaria a sua prática
e seria um grande ganho para a sua vida pessoal” (ESCUDEIRO,2005)
Para a psicanálise sabemos que o conteúdo reprimido tem uma ação
limitadora. Ao tomar consciência de uma imagem inconsciente, posso lidar com
ela. Posso reconhecê-la, elaborá-la e finalmente integrá-la e, com isto, ela
passa. Porque a recordei, posso esquecê-la. Isto e saudável. Em muitas
psicoterapias, eventos dramáticos reprimidos são trazido a luz para que sejam
concluídos. Estes eventos são como um movimento que se congelou, como sucede
num trauma. No caso de um trauma o movimento e retomado ate que se esgote e
possa ser esquecido. E lembrado para que possa passar. Como proceder com perdas
e eventos trágicos, nos quais muitas vidas são perdidas e sacrificas? Dando um
lugar em minha alma às pessoas que pereceram e se perderam. Assim fico em paz
com eles e posso também deixar para trás o que aconteceu, pois eles já não
estão separados de mim. Na medida em que acolho em mim, carrego-os comigo para
o meu futuro, e eles também colaboram com ele.
Referência Bibliográfica
ALVES, R. - Sobre a morte e o morrer. Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do
dia 12-10-03. fls 3.
BOWLBY, J.- Apego e perda.
São Paulo, Martins Fontes, 1984.
D’ASSUMPÇÃO, E. A. - Grupo de suporte ao luto. São Paulo,
Paulinas, 2003.
KÜBLER-ROSS, E. – Sobre a morte e o
morrer. Ed. Martinsfontes. São Paulo, 2011
ESCUDEIRO. J. A. Velhice,
a plenitude do ser. IN: D’Assumpção. E. A. Biotanatologia e Bioética, ed.
Paulinas, 2005.
FREUD, S. (1916) - Luto e
melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras Completas. Vol. 14. Rio de Janeiro:
imago Editora, 1969.
KOVÁCS, M.J. (Org.)
Morte e desenvolvimento humano. 2ª ed. São Paulo, Casa do
Psicólogo, 1992.
PARKES, C. M. - Dor da morte. Entrevista conduzida
por Juliana Linhares .Revista Veja, em 11 agosto de 2007.
Schubert, R. - A morte e o morrer nas Constelações Sistêmicas Familiares - Pags. 37 à 42. Revista Conexão Sistêmica Sul. Revista Internacional de Constelações e Soluções Sistêmicas. 3 edição. São Paulo, 2013.
Schubert, R. - A morte e o morrer nas Constelações Sistêmicas Familiares - Pags. 37 à 42. Revista Conexão Sistêmica Sul. Revista Internacional de Constelações e Soluções Sistêmicas. 3 edição. São Paulo, 2013.
YALOM, I.D. – Os desafios da terapia –
reflexões para pacientes e terapeutas. Ediouro,
Rio de Janeiro, 2006
Parte Integrante do Artigo
desenvolvido e
apresentado pelo
psicólogo e
psicanalista René
Schubert no I Simpósio Brasileiro
de Constelações
Familiares / Apresentado
como palestra na Igreja Luterana Unidade Cantareira-SP / Apresentado como palestra em outras instituições acadêmicas e sociais
Artigo publicado sobre o assunto:
Schubert, R. - A morte e o morrer nas Constelações Sistêmicas Familiares - Pags. 37 à 42. Revista Conexão Sistêmica Sul. Revista Internacional de Constelações e Soluções Sistêmicas. 3 edição. São Paulo, 2013.
Artigo publicado sobre o assunto:
Schubert, R. - A morte e o morrer nas Constelações Sistêmicas Familiares - Pags. 37 à 42. Revista Conexão Sistêmica Sul. Revista Internacional de Constelações e Soluções Sistêmicas. 3 edição. São Paulo, 2013.
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