Breve
resumo elaborado (2008) pelo psicoterapeuta e psicanalista Rene Schubert para
pesquisa e discussão após cursos e palestras a partir da temática da
psicopatologia infantil. Esta apresentação trata da distinção do Autismo e
Psicose e resumidamente coloca as noções contemporâneas que se tem sobre o
assunto. Trata-se mais de um resumo para orientar e estimular a pesquisa,
estudos e reflexões. Texto revisto em Maio 2022.
Em relação à psicose e ao autismo, a primeira é estudada e tratada a mais tempo, tendo assim maiores referências teóricas e estratégias de tratamento. Já o autismo está sendo cada vez mais estudado e pesquisado, mas isso ainda é recente. A psicose é vista pela psicanálise como uma estrutura clínica (existem três estruturas de personalidade: Psicose, Neurose e Perversão) e o autismo sendo um agravamento precoce desta estrutura. Mas isso ainda é tema de controvérsias e discussões.
Na psiquiatria, o autismo é visto como transtorno, ou seja, um conjunto de sintomatologias patológicas, que não possuem uma etiologia definida. A causa não foi isolada ou encontrada, acredita-se que muitos fatores sejam responsáveis ao mesmo tempo por tal quadro. Atualmente a psiquiatria denomina o autismo de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento - TED - (CID 10 : F 84.0), por suas características patológicas que retardam ou paralisam o desenvolvimento esperado de uma criança (Aprendizagem, Relacionamento, etc
Iniciarei um resumo sobre algumas das ideias principais acerca do autismo e da psicose:
Autismo
Termo cunhado por Eugen Bleuger (1907), deriva do grego Autos (o si mesmo) para designar o "ensimesmamento" psicótico do sujeito em seu mundo interno e a ausência de qualquer contato com o exterior - podendo chegar ao mutismo
BLEULER, em 1919, usou pela primeira vez o termo 'autismo' para descrever a inabilidade dos pacientes esquizofrênicos em se relacionar com o mundo externo e seus déficits na interação social.
Foi apenas em 1943 que Léo Kanner, psiquiatra austríaco, escreveu um artigo na Nervous Child intitulado 'Autistic disturbances of affective contact' (1943). O relato trazia as principais diferenças entre o autismo e outras patologias estudadas pela psiquiatria infantil, em particular, a esquizofrenia infantil e o retardo mental. Descrevia detalhadamente onze crianças (oito meninos e três meninas) que apresentavam sintomatologia com "peculiaridades fascinantes", formando uma síndrome "nunca antes relatada". Essas crianças falhavam em assumir uma postura antecipatória e preparatória ao serem pegos pelos pais e não mudavam de posição ou fisionomia, quando os pais, após horas fora de casa, tentavam conversar com elas ou segurá-las no colo. As crianças não eram capazes de se moldar ao corpo de quem as segurava, até a idade de dois ou três anos. Oito das onze crianças adquiriram habilidade para falar na idade usual ou com um pequeno atraso, mas não usavam a linguagem com o propósito de se comunicar. A incapacidade de formar frases espontaneamente e a reprodução das frases de maneira ecolálica permitiam o surgimento de um fenômeno gramatical peculiar: os pronomes pessoais eram repetidos apenas como ouvidos. Conseqüentemente, a criança falava de si sempre como "você", e das pessoas como "eu" (inversão pronominal). Essas crianças não toleravam barulhos muito altos ou mudanças de local dos objetos. Havia uma marcante dificuldade na criação de atividades espontâneas e o comportamento da criança era governado pela manutenção da "mesmice" que ninguém, a não ser a própria criança, poderia interromper em raras ocasiões. O relacionamento dessas crianças com outras pessoas era muito diferente. Todas elas, ao entrar no consultório, dirigiam-se imediatamente aos blocos, brinquedos e outros objetos, sem prestar a menor atenção às pessoas presentes. Seus pais se referiam a elas como se fossem "auto-suficientes", "como uma concha" , "felizes quando deixadas sozinhas" , ou agissem "como se as pessoas não estivessem lá", "quase como se hipnotizadas". Todas as crianças mostraram um extremo isolamento desde o início da vida, não respondendo a qualquer estímulo que viesse do mundo exterior. Fisicamente, eram essencialmente normais. Possivelmente, teriam sido vistas como tendo déficit intelectual ou esquizofrenia.
A maioria dos pesquisadores e clínicos concorda que os sintomas do autismo infantil, geralmente, iniciam-se antes dos trinta meses de idade (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1980; ORGANIZAÇÀO MUNDIAL; DE SAÚDE, 1993)
Retomando algumas sintomatologias e desenvolvimento típico de quadros de autismo:
·
Surgimento precoce dos distúrbios (sono, alimentação,
fobias...);
·
Extremo isolamento;
·
Ausência da fala, comunicação ou distúrbios de
linguagem;
·
Presença de gritinhos e sons guturais repetitivos;
·
Quando a fala está presente ocorre ecolalia (repetição
de forma mecânica do que é dito, falado no meio externo, ao seu entono);
·
Estereotipais gestuais (gestos repetitivos);
·
Padrão repetitivo, necessidade da rotina fixa;
·
Recusa, fuga, dificuldade em manter o olhar;
·
Incapacidade e dificuldades no relacionamento
interpessoal (mesmo com os pais);
·
Rituais específicos não funcionais;
·
Brincadeiras e jeitos descritos como estranhos;
·
Uso dos objetos externos independentes de sua
funcionalidade, mas obedecendo a uma lógica funcional subjetiva;
·
Auto e/ou hetero-agressividade;
·
Indiferença ou anestesia à dor;
·
Sem noção crítica acerca de situação de risco, perigo;
·
Acentuado interesse por agua e objetos que rodam;
·
Indiferença ao afeto, contato, relacionamentos;
·
Intolerância à frustração e à negativa;
·
Instabilidade de humor;
· Hipersensibilidade sensocial.
Psiquiatra Kanner - desenvolve uma tabela a partir de suas
contribuições clínicas:
·
Autismo
Precoce – 0/5 anos
·
Autismo
Idade Escolar – 6/7
·
Autismo
Tardio – 10/13
· Esquizofrenia – 13 em diante
(Tais seriam as classificações do quadro de autismo, pela idade, segundo Kanner)
Para classificação é preciso atentar à:
·
Idade
·
Fases do desenvolvimento psiconeuromotor
· Tempo de duração das características ( 6/7 meses )
Alguns exemplos de transtornos invasivos do desenvolvimento que afetam as crianças e que devem ser levados em consideração para Diagnóstico diferencial: Síndrome de Rett; Transtorno desintegrativo da infância (Síndrome de Heller); Retardo mental e/ou deficiência mental; Síndrome do X Frágil; Esclerose tuberosa de Bourneville; Fenilcetonúria; Epilepsia; Infecção pré-natal; Síndromes genéticas.
Psicose
A Psicose é um termo psiquiátrico genérico que se refere a um estado mental no qual existe uma "perda de contato com a realidade". Ao experienciar um episódio psicótico, um indivíduo pode ter alucinações e/ou delírios, assim como mudanças de personalidade e pensamento desorganizado. Tal é freqüentemente acompanhado por uma falta de "crítica" que se traduz numa incapacidade de reconhecer o carácter estranho ou bizarro do seu comportamento. Desta forma surgem também dificuldades de interação social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária.
Por ser um diagnóstico muito difícil na infância, a
psiquiatria quase não estabelece diretrizes de
classificação, algumas delas estão contidas nos Verbetes do CID-10:
F29 Psicose não-orgânica não especificada
F89 Transtorno do desenvolvimento psicológico não
especificado
F84.1 Autismo Atipico
Partindo do pressuposto que “nas psicoses, há um conflito entre o ego e o mundo externo”(Freud,1924) podemos começar a formular algumas hipóteses acerca da psicose. Tendo em vista esse conflito entre o Eu (ego) e o mundo externo, alguns sintomas presentes na psicose tornam-se claros: o isolamento, a dificuldade em lidar com mudanças, pouca tolerância frente à frustração, dificuldade ou ausência de interações com meio social, entre outros.
A criança psicótica em sua organização psíquica não irá reprimir (forma de limite psíquico) suas pulsões como uma criança neurótica faria. Ela não suporta a realidade externa como está se apresenta. Esta realidade fere seu narcisismo, sua onipotência e é insuportável. Elege desta forma mecanismos de defesa próprios para afastar-se da realidade causadora de angustia e sofrimento sem igual.
Complementarmente a isso Melanie Klein (1930) escreve que há crianças que vivem apenas na fantasia. Relata ser fácil perceber como elas se isolam da realidade em suas brincadeiras e só conseguem sustentar suas fantasias ao manterem-na completamente excluída. Tais crianças consideram insuportável qualquer tipo de frustração, pois isso faz com que se lembrem da realidade; também não conseguem se concentrar em nenhuma ocupação relacionada à realidade.
Desta forma temos na psicose uma fuga para o mundo interno (fantasia) e grande dificuldade na lida e compreensão do mundo externo (realidade). Fantasia mistura-se com realidade, e isso tudo em uma organização psíquica muito recente e primitiva - a fantasia também apresenta hostilidade e sadismo, causando angústia na criança, tal qual KLEIN (1930) teorizou. Ao mesmo tempo que a criança busca refúgio no mundo interno, do sofrimento proveniente da realidade, sofre pois esta sempre se faz presente. Ela é obrigada a manter laços, mesmo que frágeis, com a realidade (até mesmo nos casos de autismo). Desta forma fica com a mente fragmentada. Os mecanismos de defesa são primitivos e não dão conta da agressividade interna, e das vivências com a realidade aterrorizante.
De forma bem resumida, a instância do Eu mostra-se muito frágil, não conseguindo administrar as pulsões do Id, as exigências do Superego e os estímulos provenientes da realidade externa. Todas essas forças e energias chocam-se.
Neste cenário adentra o tratamento, que objetiva trazer e habilitar a criança para a realidade, construir um psiquismo mais organizado no qual fantasia e realidade não se misturem, mas coexistam.
·
Mecanismo de fuga, Isolamento;
·
Afastamento da Realidade Externa;
·
Fuga para a Realidade Interna, Fantasia;
·
Ego Frágil - Instabilidade de Humor;
·
Intolerância à limites / à Frustração;
·
Concretude, dificuldade na Abstração (Falha na esfera
Simbólica);
· Sem noção crítica acerca de situação de risco, perigo;
· Comportamentos inadequados, bizarros e fora de hora;
·
Pode haver a presença de rituais específicos;
· Forte interesse por fogo – Piromania.
Causa :
·
Psiquiatria - constitucional (genética/ bioquímica)
·
Uso de drogas na gestação ( pode causar alteraçõesno
feto ).
·
Uso de drogas para o homem pode causar anomalias em
sua produção de espermatozóides e assim afetar a criança.
·
Psicologia/Psicanálise - Meio externo (cultura) e
relação familiar Etiologia multifatorial
Prognóstico :
No caso do autismo se a criança desenvolve a fala ate os 5 anos ela tem melhor prognóstico.
Nas psicoses tento devido acompanhamento e tratamento multidisciplinar alcançam-se bons resultados.
Tratamento :
* Equipe Multidisciplinar: Psiquiatria, Neurologia, Psicologia, Fonoaudiologia, Assistente Social ,Terapia Ocupacional, Educadores, Acompanhantes Terapêuticos, entre outros);
* Hospital-Dia: Tratamento psicofarmacológico, Psiquiatria, Grupos de Estimulação Sensorial, Grupo de Interação Social, Jogos Lúdicos, Pet Terapia, Equoterapia, Musicoterapia, Psicoterapia infantil;
* Família precisa ter acompanhamento e orientação por intermédio de terapia familiar e/ou psicoterapia individual - Ludoterapia.
Para alcançar objetivos terapêuticos, a abertura por parte da criança é o primeiro passo (vínculo, rapport). É preciso saber capturar o interesse, mesmo mínimo, que a criança tem pela realidade e a partir daí construir uma relação mais produtiva com esta. O vínculo Profissional – Paciente será fundamental para possibilitar essa construção psíquica de relação com a realidade.
A fala e histórico da família mostram-se fundamental na investigação do que motivou essa fuga, na criança, para o mundo interno. Compreender a dinâmica familiar e sua interrelação com a criança são dados que vão instrumentalizando o profissional para aproximar-se do paciente e desenvolver suas potencialidades – sem falar do saber que se instaura no profissional, de como funciona essa família e como devolver-lhes sua função de pais, de cuidadores.
Finalizando essa rápida exposição teórica sobre a psicose recorrera-se a Sigmund Freud (1909) para esclarecer a função do analista em relação ao paciente : “Pois uma psicanálise não é uma investigação científica imparcial, mas uma medida terapêutica. Sua essência não é provar nada, mas simplesmente alterar alguma coisa. Em uma psicanálise o psicanalista sempre dá a seu paciente (às vezes em maior e às vezes em menor escala) as idéias conscientes antecipadas, com a ajuda das quais ele se coloca em posição de reconhecer e de compreender o material inconsciente. Há alguns pacientes que necessitam mais de tal assistência e alguns que necessitam menos, mas não há nenhum que passe sem alguma assistência.”. Este trecho aponta para o trabalho de tradução e construção que o psicanalista faz juntamente com o paciente. Como medida terapêutica a psicanálise vai intervir aonde há conflito psíquico e produção de sofrimento e, a partir desta percepção dará assistência (seja para a criança ou para os pais) visando levar ao reconhecimento e compreensão destes. O psicanalista favorece uma posição mais ativa do paciente à medida que este se torna consciente de seu conflito e possui maiores possibilidades de escolha e enfrentamento a partir disto.
Psicose - sai daquilo que lhe causa angústia (desorganiza) - Mecanismo de Fuga; Exilado de si.
Autismo - (ausência/ indiferença frente à realidade externa) - Mecanismo de Isolamento; Prisioneiro de si.
Para aprofundar estudos:
O enigma das Cartas, Mente Brilhante, Rain Man, Spider, Shine - Brilhante, Psicose, Código para o
inferno, Um estranho no ninho, Bicho de Sete Cabeças, Path Adams, Testemunha do
silêncio, Forrest Gump, Prisioneiro do silêncio, Uma lição de Amor, O Inquilino,
Contos do Marques de Sade, Numero 23.
Literatura
Uma menina estranha – Temple Grandin; Antropólogo em marte - Oliver Sacks; Nunca lhe prometi um jardim de rosas – Hanna Green; A Náusea – Jean Paul Sartre; Estorvo – Chico Buarque; Dom Quixote – Miguel de Cervantes; Mr. Jeckhill and Dr. Hyde , O medico e o Monstro - Andersen.
Referência Bibliográfica
AJURIAGUERRA, J. - Psiquiatria Infantil, Masson, 1980 RJ
CID-10 – Classificação de Transtornos Mentais, OMS, ARTMED,1993
DSM-IV - Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais, Artes Medicas, 1995
DI LORETO, O - Origem das moléstias da Mente (psicogênese) contida nas relações Familiares. São Paulo, 2005
FREUD, S. – Edição Eletrônica Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund
Freud.
Rio de Janeiro, Imago Ed., (s.d.):
·
Pequeno Hans - Analise de uma fobia em um menino de 5
anos
·
O homem dos lobos - História de uma neurose infantil
·
Caso Schreber e artigos técnicos
- Neurose e Psicose
GRUNSPUN, H.- Distúrbios Psiquiátricos da Criança, Athenas,1966
JERUSALINSKY, A. - Psicanálise do autismo. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.
JACQUES LACAN:
No Livro Escritos ( Jorge Zahar Editores):
·
O estádio do espelho como formador da função do eu
·
De uma questão Preliminar a todo tratamento possível
da Psicose
·
Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanalise
No Livro Outros Escritos (Jorge Zahar Editores):
·
Alocução sobre as psicoses da criança
·
Nota obre a criança
·
Os complexos familiares na formação do individuo
Livro O Seminário 3: As Psicoses (Jorge Zahar Editores)
KLEIN, M - Amor, Culpa e Reparação e outros trabalho 1921-1945. Imago,1996
·
A psicoterapia das psicoses (1930).
· A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego (1930)
MANNONNI, M :
·
A criança retardada e sua mãe
· A criança sua doença e os outros
SCHUBERT, R. - Marcia, a marca pela angustia: a experiência em clínica psiquiátrica infantil permeada pelo Humor. Avances en Psicologia Clínica: Investigación y Práctica, Editorial Dykinson, Madrid, 2020.
SCHUBERT, R. - West Syndrome - The Mother and Child Relationship. Medical and research publications neurology and psichology , Volume 4, Issue 1, United Kingdom, december 2021
WINNICOTT, D. W. - A
família e o desenvolvimento individual. Martins Fontes, São Paulo, 2001




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