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Relação Eu e o Outro

                                         ( Drawing Hands - M.C.Escher)

Reflexão por René Schubert - Recentemente um grupo de estudantes me procurou para um entrevista para um trabalho de faculdade. Baseado nas perguntas feitas foi feita uma reflexão que será transcrita aqui.

As perguntas feitas:
  • Quais os problemas existentes em pessoas que dependem de ter amigos para se sentirem forte, importante?
  • Como essa necessidade de afirmação de outros pode prejudicar essa pessoa?

  • O que é necessário para essa pessoa enxergar o seu valor, como ela pode mudar essa perspectiva?

A reflexão a partir destas:

Bem, as perguntas são amplas e abrem para um campo vasto. Espero poder auxiliar com minhas respostas. Trabalho como psicólogo clínico e psicanalista, sendo assim a teoria do vínculo e os relacionamentos são temáticas importantíssimas nas trocas humanas e estabelecimento e desenvolvimento de nossa personalidade. Posso dizer que a grande maioria dos quadros que acompanho em consultório trazem perguntas inerentes ao relacionar-se, a autoestima e segurança para relacionar-se, as conquistas na família e meio social por meio das trocas e relacionamentos, as possibilidades de prosperidade e felicidade alcançadas pelas habilidades de troca e negociação 

Seguem minhas reflexões:

Bem seguimos às perguntas, pela forma como foram colocadas, deixando claro que são respostas mais generalistas visto que as perguntas são de forma geral - nunca podemos esquecer que as pessoas respondem a partir de uma perspectiva singular à cada situação. E, na psicanálise, sempre analisamos e avaliamos a partir de cada caso singular. Mas as generalizações são necessárias para se ter uma ideia didática das dinâmicas e padrões comuns à nossa sociedade.

Pessoas que tem a "necessidade" de terem amigos ou pessoas à sua volta para sentirem-se fortes ou importantes apontam para certa dependência emocional. Precisam destas trocas para sentirem-se bem e pertencentes ao grupo. Talvez a forma como foram criadas em casa levou-as a pensar que precisem ter o outro à sua disposição ou à sua volta para sentirem-se bem e completos. Talvez necessitem do olhar e feedback do outro pois temem olhar para si com seus próprios olhos...em suas dificuldades, fraquezas, falhas.

Existe outro fator mais sutil operando neste sentido. Todos nós buscamos pertencer ao grupo. Inicialmente nosso lugar de pertencimento mais importante é em nossa família. E no meio social buscaremos este mesmo sentido de pertencimento, de fazer parte,  junto aos nossos amigos, colegas, colaboradores. Possivelmente, no meio social, replicaremos padrões e dinâmicas relacionais que aprendemos junto à nossa família de origem e cultura para nos adaptarmos ao meio social. Por vezes isto será aceito pelo meio, outras vezes será rejeitado. A possibilidade de rejeição, recusa, exclusão é um grande temor para as pessoas de forma geral - faz com que se sintam inseguras, preteridas, inferiores e fracas. Exatamente por isto que questões como bullying, preconceito e racismo são tão relevantes e importantes de serem refletidas e debatidas - estas questões traumatizam e re-traumatizam as pessoas.

As pessoas usarão de diversas estratégias para ter assegurado seu lugar de pertencimento. Por vezes estas estratégias podem ser lesivas para àqueles que estão à sua volta. Talvez a pessoa use de arrogância e prepotência para sentir-se no controle e no poder da situação. E, muitas vezes, não percebe o mal que causa àqueles atingidos por sua postura. Esta pessoa segue um padrão que acredita ser o certo para pertencer e se sobre sair, mas por vezes não mede as consequências e efeitos em um plano maior.

Todos vão buscar ter um lugar no meio social. Pertencer à cultura é fundamental, é uma necessidade básica. Nos traz conforto, segurança e bem estar. Quais estratégias utilizarei para pertencer ao meu meio social, ao meio acadêmico, ao meio profissional?
Qual flexibilidade disponho para encontrar recursos e meios de pertencer?

Quanto mais rígida e inflexível for a estratégia, a maneira de pertencer da pessoa à sociedade, mais choque e conflito esta terá com o meio externo. Se ela tem a ideia que ela precisa "sempre" estar em evidência e ter os melhores lugares e as melhores oportunidades, poderá agir de maneira agressiva, soberba, violenta, displicente se não conseguir alcançar este lugar. Ou poderá inferiorizar-se, deprimir e acreditar que não tem a possibilidade de vencer neste lugar, na vida. A ideia fixa, ou crença única enrijecem a pessoa e diminuem suas possibilidades de adaptação, causando dificuldades nos relacionamentos e na forma de encarar a vida.

Muitas vezes uma pessoa que usa de uma estratégia preconceituosa, ofensiva ou agressiva/abusiva para sobrepor outra, causa a esta um grande mal estar e sofrimento. Ou uma pessoa que acredita que precisa sempre ceder à demanda do outro, aos pedidos do outro, pode acabar se rebaixando e ignorando suas próprias vontades e importância em detrimento dos outros. Wolfgang Göethe, o poeta alemão costuma apontar que dois grandes defeitos humanos eram: crer-se mais importante do que se é e estimar-se menos do que se vale.

Aprendemos a nos relacionar e vincular em nossa socialização primária - ou seja com nossos pais ou responsáveis pela nossa inicial educação e cuidados. Conta muito o meio cultural, o entorno, o momento histórico, a constituição e estrutura familiar, a quantidade de familiares que coabitavam e conviviam uns com os outros nos anos iniciais desta criança. Conta também o relacionamento que a mesma tinha com as figuras do pai, da mãe e a quantidade de irmãos e qualidade no relacionamento com estes. A criança aprenderá a se vincular, a trocar com estes pais e parentes. Terá um lugar e uma importância.  As questões que se colocam são várias: Como os pais passaram adiante à esta criança o que eles mesmos eram e tinham? Como a criança tomou destes pais o que estes podiam dar e oferecer? O Sistema Familiar tem um característica mais tradicional, rígida ou é mais aberto e flexível? Que flexibilidade a família tinha e tem com variações e diferenças? Como esta criança cresceu frente as diferentes formas de relacionamento? Esta criança aprendeu a viver com diferenças e a incluí-las com naturalidade, ou aprendeu a rejeitar o diferente e se defender contra o mesmo? Qual a resiliência e capacidade de adaptação do sistema familiar desta criança e por consequência, dela mesma? Quando adulta, como esta criança lidou com o que recebeu de seu sistema familiar e as diferenças mostradas pela realidade externa? Como ela lida hoje com o descaso, ignorância, indiferença, raiva e sentimentos negativos das pessoas à sua volta? Como ela se vincula com os outros? Há equilíbrio nas relações de troca a sua volta, ou ela toma mais do que dá, ou dá mais do que toma?

Perguntas sempre são importantes para a pessoa se aperceber de si mesma e do meio que a circunda. De suas responsabilidades frente às relações e as consequências de suas escolhas e decisões. E, claro, para trabalhar a flexibilização de padrões, dinâmicas, crenças e alcançar melhores resultados com animo e criatividade.

Espero ter podido, neste breve e pontual texto, ter passado algumas referências do que foi perguntado.


Referências utilizadas para esta reflexão: Sigmund Freud / Enrique Pichon Riviere / Donald Woods Winnicott / Ivan Boszormenyi Nagy / Bert Hellinger 

                               (Reptiles - M.C. Escher)

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