Recentemente em artigo postado pelo site Psicologias do Brasil há o relato triste feito pela mãe de uma jovem que, em seu sofrimento psíquico de longa data, com sintomas intensos do que poderíamos chamar de ansiedade, depressão, desesperança, baixa auto-estima, desespero acaba por atentar contra a própria vida.
Relatos como o desta mãe infelizmente não são incomuns. Pelo menos não na pratica clinica. Feridas emocionais causadas quando se é muito jovem são as mais difíceis de administrar e elaborar, pois ocorrem em um momento onde a maturidade emocional, neurológica, fisiológica, capacidade adaptativa, ainda estão em desenvolvimento e em transformação.
Há abusos físicos, verbais, morais, sexuais...como adultos muitas vezes ficamos impotentes e frágeis frente à agressão física, verbal cometida contra nossa vontade e consentimento por alguém de nosso convívio. Tal evento é muito pior quando se é jovem, quando se é criança. A inocência e fragilidade intensificam o fato e muitas vezes em nossa incompreensão, falta de vivência e conhecimento, medo e vergonha, culpa e ressentimento, acabamos por guardar isto profundamente em nosso corpo, nos machucando ainda mais, de tempos em tempos.
Um abuso pode causar um trauma, e este congelar e fragmentar séria e profundamente o desenvolvimento maturacional da criança. Tal trauma ocorre de forma rápida, intensa, profunda demais, para o ser que se torna vitima deste...não só no momento do evento, mas durante muito tempo depois, também.
Hoje há diversos dispositivos de escuta e de acolhimento para tais traumas e sofrimentos psíquicos, como a psicoterapia, o acompanhamento psiquiátrico, o aconselhamento e orientação familiar, espaços de acolhimento em instituições terapêuticas, sociais e religiosas. O trabalho costuma ser de longo prazo e é delicado e cuidadoso. Precisa ser feito no tempo e de forma suportável para àquele(a) que sofreu um trauma, abuso e/ou passou por situações traumáticas.
Se postará aqui na integra o relato deste caso feito na internet e também um vídeo que demonstra os efeitos e consequências devastadoras ao longo da vida de um abuso, trauma, ocorrido em uma fase muito precoce do desenvolvimento neuropsicosocial de jovens/crianças:
Não
consegui evitar o suicídio da minha filha de 24 anos
"Ana Luísa era doce, segundo seus
familiares. Estava prestes a se formar na faculdade de moda e sonhava em abrir
o próprio negócio. Como muitas garotas de 24 anos, tinha planos de se casar – e
já tinha um namorado.
Ana Luísa queria viver, mas não
conseguia. Ela sentia dor, o coração pulava do peito e os desmaios eram
frequentes.
Nas últimas semanas de vida, já
não dormia. Evitava os remédios que ajudavam no sono porque, segundo ela, os
pesadelos e as lembranças vinham à tona sempre que fechava os olhos.
A mãe, a produtora de eventos Ana
Rosa Augusto, de 52 anos, afirma que tentava de tudo. Dormia com a filha, dava
carinho, procurou especialistas e fazia questão de não deixá-la sozinha.
“Quando eu ia trabalhar, ela ia
comigo. Se era dia de evento, a deixava com a avó. No último dia de vida de
minha filha, pedi que ajudasse a avó a cuidar do meu sobrinho, de quem Ana
Luísa era muito próxima. Ela foi. E não voltou mais”.
“Pouco antes de entregar o
trabalho de conclusão de curso, Ana Luísa passou a desmaiar, ter crises
fortíssimas de ansiedade e palpitação. Como ela era magrinha, nós víamos o
coração dela saltar do peito. Tanto eu como o pai achamos que era ansiedade por
causa dos trabalhos finais na faculdade, mas, como os sintomas eram físicos,
decidimos levá-la a neurologistas e cardiologistas. Fez todos os exames, que
não apontaram qualquer tipo de anormalidade. Voltamos a acreditar na ideia da
ansiedade e procuramos um psiquiatra, que fez o mesmo diagnóstico.
A gente sabe que para uma terapia
funcionar, é preciso sintonia entre o paciente e o terapeuta. Não foi o que
aconteceu com a minha filha. Ele receitou alguns ansiolíticos e remédios para
dormir, mas as medicações não deram conta da dor que ela sentia. Ela apresentou
o TCC, se formou na faculdade, mas os sintomas continuaram. Então, procuramos
psicólogos. Entendemos que havia algo acontecendo e que ela não queria nos
contar, e, talvez, com a terapia, nossa filha conseguisse se abrir. Depois de
um ano de buscas, Ana Luísa se identificou com um terapeuta. Seis meses antes
do suicídio, ela contou o que tinha acontecido.
Minha filha foi abusada
sexualmente aos dez anos de idade, na escola particular onde estudava, em Mogi
das Cruzes, na Grande São Paulo. Ela revelou isso à psicóloga e pediu para que
a especialista contasse a mim e ao pai dela. Foi quando descobri que a minha
menina foi estuprada por seis meses por um garoto seis anos mais velho, no
banheiro, nas aulas de Educação Física. Por alguns meses, ela relutava e
chorava, pedia para não participar das aulas esportivas. Eu não entendia. Mesmo
sem saber o que estava acontecendo, consegui um atestado médico que a liberou.
As férias chegaram e, no ano seguinte, o menino não estava mais na escola. Ana
Luísa voltou à Educação Física sem pestanejar.
A partir de então, só ia à escola
com uniforme masculino, roupas largas, que não mostravam o corpo.
Um dia, ela me disse que um
coleguinha do colégio comentou que meninos não gostam de meninas que usam
roupas largas. Por isso, ela passou a usar. Não queria ser notada. Com o tempo,
vieram roupas pretas, os cabelos descoloridos, uma tentativa de apagar a imagem
daquela garotinha de dez anos. Ana Luísa passou a vida fugindo de si mesma. O
gatilho para que a lembrança viesse à tona foi o namoro. Ela conheceu um rapaz,
que cuidava e se preocupava muito com ela, e passou a lembrar dos momentos
sombrios.
Em filmes, quando havia cenas de
abuso, ela chorava e gritava. Se automutilava, cortava braços e pernas. Fazia
cortes tão profundos que precisava levar pontos, na maioria das vezes. Fazia
isso para aliviar a dor que sentia. Nas duas últimas semanas de vida, minha
filha leu notícias sobre um estuprador que havia atacado mulheres em São Paulo
e não conseguiu mais dormir. Coloquei ela na minha cama, deitávamos abraçadas,
mas não adiantava. Quando dei por mim, ela não estava mais tomando os remédios
para dormir. E me disse que, quando pegava no sono, era atormentada por
pesadelos. Por isso, preferia esperar a dor passar acordada. Mas não passava.
Ana Luísa tentou se suicidar duas
vezes, ingerindo doses maiores das medicações. Eu e o pai dela começamos a
esconder todos. A cada dia, precisávamos escolher um esconderijo diferente.
Eu não a deixava sozinha em
hipótese alguma. Quando tinha crise, a levava comigo para o trabalho.
Conversávamos sobre tudo, inclusive sobre a sua vontade de morrer. Eu tentava
de tudo. No dia em que tirou a própria vida, há três anos, eu disse que ela
precisava ajudar minha mãe a cuidar do meu sobrinho, que tinha três anos à
época. Ele e minha filha eram muito apegados. Levei ela até a casa da avó,
esperei que entrasse no condomínio e segui para o evento que estava
organizando. Uma hora depois, meu marido me ligou e disse que ela não havia
chegado. Eu rebati dizendo que era impossível, eu a havia deixado lá dentro.
Ela não estava. Para a psicóloga,
deixou uma mensagem de agradecimento, similar a que deixou para mim, para o pai
e para o namorado. Ela dizia que não aguentava mais e ressaltava que a culpa
não era nossa, mas que não conseguia viver com as lembranças. Se despedia e
dizia que nos amava muito. Quando soube do sumiço dela, já imaginei o que tinha
acontecido. Ao analisar as câmeras de segurança do prédio, vi que ela entrou,
sentou no sofá do hall de entrada e ficou parada por um tempo. Pegou o celular,
mandou as mensagens, e saiu. Foi a última vez que vi minha filha.
Sempre que Ana Luísa e eu
falávamos sobre suicídio, ela explicava que não devemos divulgar a forma como
as pessoas tiraram a própria vida. “Pode estimular outras pessoas a fazerem o
mesmo”, ela dizia. Eu nunca contei o que houve, apesar de a notícia ter se
espalhado. Hoje, faço parte de grupos que visam a prevenção do suicídio e tento
ajudar garotas que, como a minha filha, têm uma dor para ser cuidada. Pelo
Facebook, muita gente me procura para pedir ajuda – tanto pais como jovens.
Transformei o luto em luta e só estou viva porque posso mudar outras vidas.
Desesperada, liguei para um amigo
policial, descrevi a roupa que minha filha estava usando naquele dia. Eu
imaginava onde ela estava e como ela tinha feito, não me pergunte porquê. Ele
pediu para um colega averiguar, e esse agente a encontrou. Apesar de todas as
certezas, corri para a minha casa. Pensei: “E se ela estiver em casa, no quarto
dela, encolhidinha na cama?”. Não estava.
Não sinto culpa, eu fiz tudo o
que pude. Conversei com ela e cuidei em todos os momentos. Ela nunca nos
culpou. Eu sempre estive ao lado dela, éramos muito cúmplices. Onde eu ia, ela
ia comigo. Se ela tinha trabalhos, eu a acompanhava. Ela sempre dizia: “Mamãe,
quero ir com você”. Me chamava de “mamãe”. Hoje, quando converso com meninas
que foram vítimas de abuso, descubro que o agressor sabe escolher a vítima
certa, aquela que não vai abrir a boca. O abusador da minha filha dizia que, se
ela dissesse algo, mataria a mim e ao pai dela. Ela aguentou tudo isso sozinha.
Aos pais, só peço uma coisa.
Acreditem nos seus filhos e passem a sensação de que eles podem confiar em
vocês. Quando nós descobrimos o que tinha acontecido com a Ana Luísa, a
depressão já estava no grau máximo. Se ela tivesse compartilhado isso com a
gente antes, talvez tivéssemos conseguido salvar a vida dela.
Hoje, sinto saudade. É um
sentimento que cresce a cada dia que passa. A dor de perder um filho não passa
nunca.”
A fúria de uma criança: caso clinico infantil, avaliação e tratamento:
Fontes:
"Tentei de tudo, mas não
consegui evitar o suicídio da minha filha" - https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/09/12/tentei-de-tudo-mas-nao-consegui-evitar-o-suicidio-da-minha-filha.htm
“Não consegui evitar o suicídio
da minha filha de 24 anos” - https://www.psicologiasdobrasil.com.br/nao-consegui-evitar-o-suicidio-da-minha-filha-de-24-anos
A fúria de uma criança: caso
clinico infantil, avaliação e tratamento - https://www.youtube.com/watch?v=f-WYxoXlmgI
Para os casos que envolvem risco
de vida, auto agressão, pensamentos depressivos, serviços como o Centro de
Valorização à Vida, o CVV, esta disponível à todo(a)s que dele precisarem -
https://www.cvv.org.br/
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