Reflexões sobre Frozen
a partir da teoria de Carl G. Jung
por
Isabella Sprovieri
“O autoconhecimento de cada
indivíduo, a volta do ser humano às suas origens, ao seu próprio ser e à sua
verdade individual e social, eis o começo da cura da cegueira que domina o
mundo de hoje. O interesse pelo problema da alma humana é um sintoma dessa
volta instintiva a si mesmo. Que este meu trabalho esteja a serviço desse
interesse.” (C. G. Jung - Küsnacht—Zürich, outubro
de 1918)
“Na realidade, a natureza humana é
portadora de um combate cruel e infindável entre o princípio do eu e o
princípio do instinto: o eu, todo barreiras; o instinto, sem limites; ambos os
princípios com igual poder.”
“A alma está em busca da expressão
de sua totalidade.”
(JUNG, Carl
Gustav. Psicologia do Inconsciente, Obras Completas, Petrópolis, Vozes)
“Quem progredir no caminho da
realização do Self (si-mesmo) inconsciente trará inevitavelmente à consciência
conteúdos do inconsciente pessoal, ampliando o âmbito de sua personalidade.”
“Nossa psique consciente e pessoal
repousa sobre a ampla base de uma disposição psíquica herdada e universal, cuja
natureza é inconsciente.”
“Individuação significa tornar-se
um ser único, na medida em que por ‘individualidade’ entendermos nossa
singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos
tornamos o nosso próprio Self (si-mesmo).”
(JUNG, Carl Gustav. O Eu e o inconsciente;
tradução de Dora Ferreira da Silva.
21. ed. - Petrópolis, Vozes, 2008.)
21. ed. - Petrópolis, Vozes, 2008.)
As reflexões sobre os
filmes Frozen I, Uma Aventura Congelante
e Frozen II, O Reino do Gelo a seguir serão realizadas a partir das letras das
principais canções dos filmes: Let it Go
(Frozen I), Into the Unknow e Show Yourself (Frozen II) sob a ótica da
Psicologia Junguiana. Importante
ressaltar que essa é uma dentre as inúmeras leituras que podem ser realizadas.
Mais do que isso. É um convite a você leitor para refletir, questionar,
aprofundar, viajar e até formular a sua própria reflexão.
DEIXE
ESTAR OU LIVRE ESTOU
"A
neve branca brilha na montanha esta noite
Nenhuma pegada pode ser vista
Um reino de isolamento
E parece que eu sou a rainha"
Nenhuma pegada pode ser vista
Um reino de isolamento
E parece que eu sou a rainha"
Podemos associar a
imagem descrita na primeira estrofe à depressão. Conforme apontado por René Schubert
em texto sobre Depressão/Melancolia “As pessoas deprimidas colocam significados
distorcidos em três domínios aos eventos da vida. O interno versus externo, onde o indivíduo deprimido assume culpa
excessiva pelos eventos negativos. Global
versus específico, onde concluem que as ocorrências negativas são de
implicações de longo alcance, globais ou totalmente abrangentes. Fixo versus mutável, na qual situações
negativas ou problemáticas são vistas como imutáveis sem melhoria no futuro”.
Vemos o “interno versus externo” quando Elsa se
culpa pelo acidente que ocorre em sua infância, envolvendo sua irmã Anna e a
partir daí, além de ser afastada da irmã, passa a reprimir parte de sua
essência. O “global versus específico”
pode ser conferido quando Elsa vai embora de seu reino Arendelle e se isola em
seu castelo de gelo, convicta de que somente se afastando de tudo e todos, ela
conseguiria não fazer mal a ninguém. E finalmente, o “fixo versus mutável” quando, por exemplo, o príncipe Hans pede que
Elsa acabe com o inverno e ela responde que não consegue, pois naquele momento
ela só enxerga desastre, fracasso, incapacidade, não considerando nenhuma
possibilidade de mudança.
A depressão não é
solar, não é calor nem dia. Ela é noite, escuridão, desconhecido, frio,
solidão. Entretanto, a depressão também pode se apresentar como oportunidade de
autoconhecimento, resgate e transformação. A palavra depressão tem sua origem
no latim depressare, do verbo deprimere, “prensar, esmagar”, formado
por de-, “para baixo”, mais premere, “apertar, comprimir”. Sendo
assim, podemos entender a depressão com um “afundamento” em si mesmo. E é a
partir deste mergulho que nossa protagonista Elsa inicia sua transformação em
Frozen I, Uma Aventura Congelante, com o ápice em Frozen II, O Reino do Gelo.
"O
vento está uivando
Como essa tempestade que rodopia dentro de mim
Não consegui contê-la
Os céus sabem que eu tentei"
Como essa tempestade que rodopia dentro de mim
Não consegui contê-la
Os céus sabem que eu tentei"
Depressão e ansiedade
são dois estados que costumam se alternar. Assim como a tempestade que muitas
vezes dá sinais de que vai chegar, a crise de ansiedade também dá. A questão é
que muitas vezes só conseguimos enxergar esses sinais, depois que já fomos
“devastados” por ela. E, embora até tentemos
contê-la – nos acalmar, mudar o pensamento, respirar, meditar, orar – nem
sempre conseguimos. Na visão junguiana, essa tempestade também poderia
simbolizar o conceito de ‘complexos’, temas emocionais reprimidos cuja força
nos toma, sendo capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou
mesmo, em alguns casos, sintomas de neurose.
"Não
os deixe entrar, não os deixe ver
Seja a boa menina que você sempre precisou ser
Esconda, não sinta
Não deixe que eles saibam
Bem, agora eles sabem!"
Seja a boa menina que você sempre precisou ser
Esconda, não sinta
Não deixe que eles saibam
Bem, agora eles sabem!"
Na terceira estrofe, é
possível encontrar uma das causas, gatilho, a crença limitante associada à
ansiedade e depressão. Qual o preço que se paga em ser “a boa menina que você sempre precisou ser”? E nessa frase o gênero
independe. Quanto custa tentar ser “bom” o tempo todo? Lembrando que esse é um
conceito bastante relativo, pois talvez o que é bom pra mim, não seja para
outra pessoa e vice-versa. “Esconda, não
sinta Não deixe que eles saibam” até quando isso é possível? Esconder dos
outros e esconder de nós. “Bem, agora
eles sabem!” Essa sem dúvida é uma frase libertadora. É o momento em que
falamos, desabafamos, aceitamos, partilhamos, pedimos ajuda.
"Deixe
estar, deixe estar
Não posso suportar mais
Deixe estar, deixe estar
Dou as costas e bato a porta
Eu não me importo
Com o que eles vão dizer
Deixe a tempestade rugir
O frio nunca me incomodou mesmo"
Não posso suportar mais
Deixe estar, deixe estar
Dou as costas e bato a porta
Eu não me importo
Com o que eles vão dizer
Deixe a tempestade rugir
O frio nunca me incomodou mesmo"
Na quarta estrofe,
encontramos um dos momentos mais significativos. Interessante que outra
variação para o “deixe estar” na versão dublada do filme é “livre estou”. Ambos
fazem sentido. Em “Dou as costas e bato a porta | Eu não me importo | Com o que eles vão
dizer”, vemos o quanto estar em
paz conosco, com nossas escolhas, com nosso propósito de vida é mais importante
do que simplesmente nos preocuparmos com a opinião dos outros. E, finalmente, deixar
a tempestade rugir representa aceitar o inevitável, o bom e o mau, o fácil e o
difícil. É aceitar o fluxo da vida com sua tensão entre os opostos, certamente
um trabalho inesgotável.
"É
engraçado como alguma distância
Faz tudo parecer pequeno
E os medos que uma vez me controlaram
Não podem me pegar de jeito nenhum"
Faz tudo parecer pequeno
E os medos que uma vez me controlaram
Não podem me pegar de jeito nenhum"
Na quinta estrofe,
podemos identificar o processo de autoconhecimento que nos ajuda a olhar a vida
com “alguma distância” e enxergar
novas perspectivas. Talvez em algum momento, fortalecidos, até tenhamos a
sensação de que “os medos que uma vez me
controlaram Não podem me pegar de jeito nenhum”. Isso é verdade? Sim e não.
Veremos isso mais claramente em Frozen II. É possível que alguns medos sejam
controlados, ou melhor, reconhecidos, integrados, ressignificados. Só que o
medo em si faz parte do nosso instinto de preservação, portanto sempre vai
existir, mas temos a possibilidade de aprender a utilizá-lo a nosso favor.
"É
o tempo de ver o que eu posso fazer
Testar os limites e superá-los
Sem certo nem errado
Sem regras para mim
Estou livre!"
Testar os limites e superá-los
Sem certo nem errado
Sem regras para mim
Estou livre!"
Na quinta estrofe, chegamos
a um dos momentos mais desafiadores: o “colocar em prática”. Sair da zona de conforto poderia ser um
sinônimo desse trecho da música. Também é possível fazer uma relação com a
Jornada do Herói, na qual o mesmo sai em busca de algo, enfrenta “dragões”,
encontra o elixir e retorna para partilhar seu aprendizado, contribuindo para o
Bem Comum.
"Deixe
estar, deixe estar
Sou uma com o vento e céu
Deixe estar, deixe estar
Você nunca vai me ver chorar
Aqui estou eu
E aqui eu vou ficar
Deixe a tempestade rugir"
Sou uma com o vento e céu
Deixe estar, deixe estar
Você nunca vai me ver chorar
Aqui estou eu
E aqui eu vou ficar
Deixe a tempestade rugir"
Na sexta estrofe em “Sou uma com o vento e céu”, (e na
alegria e plenitude que Elsa demonstra neste momento) é possível perceber que
uma tomada de consciência de que o planeta é nossa casa, que somos todos
irmãos, que existe algo maior que a nossa própria individualidade faz com que
nosso mundo externo ganhe um colorido diferente e o nosso mundo interior
também. A espiritualidade que nos conecta ao Deus dentro de nós também nos dá a
força necessária para aceitarmos o inevitável, o fluxo da vida e o nosso
destino “Aqui estou eu | E aqui eu vou
ficar | Deixe a tempestade rugir”.
"Meu
poder voa através do ar para o chão
Minha alma está espiralando em fractais congelados ao redor
E um pensamento cristaliza como uma explosão gelada
Eu nunca vou voltar
O passado está no passado"
Minha alma está espiralando em fractais congelados ao redor
E um pensamento cristaliza como uma explosão gelada
Eu nunca vou voltar
O passado está no passado"
Na sétima estrofe, em “Minha alma está espiralando em fractais” podemos
encontrar o conceito de psique como pluralidade e não unidade. Em “Eu nunca vou voltar | O passado está no
passado” não significa que não haverá outra crise, mas que ainda que as crises
de ansiedade e depressão sejam recorrentes, elas são diferentes. Sempre
“aprendemos” algo novo o que nos leva a afirmar que não voltamos para o mesmo lugar.
"Deixe
estar, deixe estar
E eu vou subir como o amanhecer
Deixe estar, deixe estar
A garota perfeita se foi
Aqui estou eu
À luz do dia
Deixe a tempestade rugir
O frio nunca me incomodou mesmo"
E eu vou subir como o amanhecer
Deixe estar, deixe estar
A garota perfeita se foi
Aqui estou eu
À luz do dia
Deixe a tempestade rugir
O frio nunca me incomodou mesmo"
Se a primeira estrofe
nos trouxe a imagem da noite, a última traz a do amanhecer que simboliza a elaboração,
o renascimento, novas possibilidades, um novo eu, uma consciência mais ampliada.
Em “A garota perfeita se foi | Aqui estou
eu | À luz do dia”, o perfeito, sinônimo de exatidão, sem defeito nem falhas,
dá lugar à harmonia que, com a combinação de elementos opostos traz equilíbrio,
conciliação, reconciliação, sendo, portanto muito mais humana.
RUMO
AO DESCONHECIDO
"Eu
posso te ouvir, mas não vou
Alguns procuram problemas, enquanto outros não
Há mil motivos para eu seguir com o meu dia
E ignorar os seus sussurros
Que eu gostaria que parassem, oh-oh-oh
Alguns procuram problemas, enquanto outros não
Há mil motivos para eu seguir com o meu dia
E ignorar os seus sussurros
Que eu gostaria que parassem, oh-oh-oh
Você
não é uma voz
Você é apenas um zumbido em meu ouvido
E se eu te ouvisse, o que não é o caso
Eu estaria comprometida, temo eu
Todos que eu já amei estão aqui, dentro essas paredes
Sinto muito, som secreto, mas estou bloqueando seus chamados
Eu já tive minha aventura, não preciso de algo novo
Tenho medo do que estarei arriscando se eu te seguir
Rumo ao desconhecido
Você é apenas um zumbido em meu ouvido
E se eu te ouvisse, o que não é o caso
Eu estaria comprometida, temo eu
Todos que eu já amei estão aqui, dentro essas paredes
Sinto muito, som secreto, mas estou bloqueando seus chamados
Eu já tive minha aventura, não preciso de algo novo
Tenho medo do que estarei arriscando se eu te seguir
Rumo ao desconhecido
O
que você quer?
Porque você tem me deixado sem sono
Você está aqui para me distrair para que eu cometa um grande erro?
Ou você é alguém aí fora que é um pouquinho como eu?
Que sabe que, no fundo, eu não estou onde deveria estar?
Porque você tem me deixado sem sono
Você está aqui para me distrair para que eu cometa um grande erro?
Ou você é alguém aí fora que é um pouquinho como eu?
Que sabe que, no fundo, eu não estou onde deveria estar?
Todo
dia é um pouco mais difícil enquanto sinto meu poder crescer
Você não sabe que há uma parte de mim que deseja ir
Rumo ao desconhecido
Você não sabe que há uma parte de mim que deseja ir
Rumo ao desconhecido
Oh-oh-oh
Você está aí fora?
Você me conhece?
Você pode me sentir?
Você pode me mostrar?
Você está aí fora?
Você me conhece?
Você pode me sentir?
Você pode me mostrar?
Aonde
você vai?
Não me deixe sozinha
Como eu sigo você
Até o desconhecido?"
Não me deixe sozinha
Como eu sigo você
Até o desconhecido?"
Rumo ao desconhecido
retrata belissimamente Elsa e seu contato com o inconsciente. No filme, vemos
Elsa ser “acordada” por uma voz. Claramente, nesse primeiro momento, há
conflito e medo “Eu posso te ouvir, mas
não vou | Alguns procuram problemas, mas outros não” / “Tenho medo do que
estarei arriscando se eu te seguir”. A
voz incomoda Elsa e a primeira reação que ela tem é a de bloqueá-la. “Há mil motivos para eu seguir com o meu dia
| E ignorar os seus sussurros | Que eu gostaria que parassem” e “Sinto muito, som secreto, mas estou
bloqueando seus chamados.”
Edward Edinger em Ego e
Arquétipo coloca que “A cada novo aumento
da consciência, também há conflito. Esse é o modo pelo qual cada aumento do
grau de consciência anuncia sua presença: o conflito.”
Para Elsa ampliar sua
consciência será necessário “mergulhar” no desconhecido.
Em “Você está aqui para me distrair para que eu cometa um grande erro? Ou
você é alguém aí fora que é um pouquinho como eu?” vemos Elsa dando uma
oportunidade ao conteúdo que está emergindo mostrar a que veio. E aqui a
jornada começa, ou melhor, continua. Porque como vimos em Frozen I, a jornada
de Elsa começa no momento da crise, do isolamento, da depressão e ansiedade. Toda
crise traz consigo uma oportunidade de mudança, de autoconhecimento, de
ampliação da consciência. E é essa oportunidade que vemos Elsa “agarrar” em
Frozen II.
MOSTRE-SE
"Cada
centímetro de mim está tremendo
Mas não de frio
Alguma coisa é familiar
Como um sonho que eu posso alcançar, mas não consigo segurar
Eu posso sentir você lá
Como um amigo que eu sempre conheci
Eu estou chegando perto
E sinto que estou em casa
Mas não de frio
Alguma coisa é familiar
Como um sonho que eu posso alcançar, mas não consigo segurar
Eu posso sentir você lá
Como um amigo que eu sempre conheci
Eu estou chegando perto
E sinto que estou em casa
Eu
sempre fui uma fortaleza
Com segredos escondidos dentro
Você tem seus segredos também
Mas não precisa se esconder
Com segredos escondidos dentro
Você tem seus segredos também
Mas não precisa se esconder
Mostre-se
Estou morrendo de vontade de conhecer você
Mostre-se
É sua vez
Você é aquilo que eu estive procurando
Por toda a minha vida?
Mostre-se
Estou pronto para aprender
Ah ah ah ah
Ah ah ah ah ah
Estou morrendo de vontade de conhecer você
Mostre-se
É sua vez
Você é aquilo que eu estive procurando
Por toda a minha vida?
Mostre-se
Estou pronto para aprender
Ah ah ah ah
Ah ah ah ah ah
Eu
nunca me senti tão certa
Toda a minha vida eu estive em pedaços
Mas estou aqui por uma razão
Poderia ser essa a razão de eu ter nascido?
Eu sempre fui tão diferente
Regras normais não se aplicavam
Este é o dia?
Você é o caminho
Eu finalmente descubro o porquê?
Toda a minha vida eu estive em pedaços
Mas estou aqui por uma razão
Poderia ser essa a razão de eu ter nascido?
Eu sempre fui tão diferente
Regras normais não se aplicavam
Este é o dia?
Você é o caminho
Eu finalmente descubro o porquê?
Mostre-se
Não estou mais tremendo
Aqui estou
Eu cheguei tão longe
Você é a resposta que eu esperei
Por toda a minha vida
Oh, mostre-se
Deixe-me ver quem você é
Não estou mais tremendo
Aqui estou
Eu cheguei tão longe
Você é a resposta que eu esperei
Por toda a minha vida
Oh, mostre-se
Deixe-me ver quem você é
Venha
para mim agora
Abra sua porta
Não me faça esperar
Nenhum momento a mais
Oh, venha para mim agora
Abra sua porta
Não me faça esperar
Mais
Abra sua porta
Não me faça esperar
Nenhum momento a mais
Oh, venha para mim agora
Abra sua porta
Não me faça esperar
Mais
Onde
o vento norte encontra o mar
Ah ah ah ah
Há um rio
Ah ah ah ah
Cheio de memória
Venha, minha querida, de volta ao lar
Eu me encontrei
Ah ah ah ah
Há um rio
Ah ah ah ah
Cheio de memória
Venha, minha querida, de volta ao lar
Eu me encontrei
Mostre-se
Entregue-se ao seu poder
Cresça
Em algo novo
Você é o que você estava esperando
Toda a minha vida
Toda a sua vida"
Entregue-se ao seu poder
Cresça
Em algo novo
Você é o que você estava esperando
Toda a minha vida
Toda a sua vida"
A partir da canção Mostre-se,
podemos falar sobre o Self e o processo
de individuação de Elsa.
“Eu
sempre fui uma fortaleza | Com segredos escondidos dentro”
Podemos apontar para uma relação do Ego, centro da consciência (uma “suposta” fortaleza) com o inconsciente (segredos escondidos dentro).
“Estou
morrendo de vontade de conhecer você”
Considerando que aquilo que Elsa estava ‘morrendo’ de vontade de conhecer é ela mesma, fica a questão: quantas vezes para nos conhecermos mais profundamente, intimamente e nos tornarmos mais completos, plenos precisamos deixar morrer algo em nós?
Jung em o Eu e o
Inconsciente afirma que “A individuação,
no entanto, significa precisamente a realização melhor e mais completa das
qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o
esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor
rendimento social. A individuação, portanto, só pode significar um processo de
desenvolvimento psicológico que faculte a realização das qualidades individuais
dadas; em outras palavras, é um processo mediante o qual um homem se torna o
ser único que de fato é.”
Elsa enfrenta muitos
desafios até chegar ao Ahtohallan o “rio da memória” que poderíamos entender
como o inconsciente coletivo. Em Ego e Arquétipo de Edward Edinger, temos: “A descoberta de caráter mais fundamental e
de maior alcance, de Jung, é a do inconsciente coletivo ou psique arquetípica.
Graças às pesquisas que ele realizou, sabemos atualmente que a psique
individual não é apenas um produto da experiência pessoal. Ela envolve ainda
uma dimensão pré-pessoal ou transpessoal, que se manifesta em padrões e imagens
universais, tais como os que se pode encontrar em todas as mitologias e
religiões do mundo. Jung descobriu também que a psique arquetípica conta com um
princípio estruturador ou organizador que unifica os vários conteúdos
arquetípicos. Esse princípio é o arquétipo central ou arquétipo da unidade, ao
qual Jung denominou Self (si-mesmo).”
Encontramos ainda em O
Mito do Significado de Aniela Jaffé:
“A
realidade que transcende a consciência e aparece como fundo espiritual do mundo
é, em termos psicológicos, o inconsciente.” O inconsciente
coletivo, introduzido por Jung em psicologia, é um “‘abismo transcendental de mistério’, no qual os arquétipos são fatores
invisíveis de ordenamento. Ele é um princípio autônomo que atua ‘fora de nós’,
isto é, fora do nosso mundo consciente, um ‘campo-primordial-de-espaço-tempo’”.
É no Ahtohallan que
Elsa finalmente encontra a resposta para todas as suas questões: “Eu nunca me senti tão certa | Toda a minha
vida eu estive em pedaços | Mas estou aqui por uma razão | Poderia ser essa a
razão de eu ter nascido? | Eu sempre fui tão diferente | Regras normais não se
aplicavam | Este é o dia? | Você é o caminho | Eu finalmente descubro o porquê?”
A resposta? Elsa é a
resposta. Diante dos 4 elementos/espíritos da natureza – água, fogo, terra e ar
– Elsa percebe-se como o quinto elemento/espírito, aquele capaz de ligar os
demais e de dar sentido a vida. Talvez nesse momento, também possamos chegar à
mesma experiência primordial da função
criativa da consciência que Jung descreveu em suas Memórias: “Pastando, cabeças
inclinadas, as hordas moviam-se para frente como rios lentos. Raramente se
ouvia um som, salvo o grito melancólico de um pássaro predador. Era a quietude
do eterno começo, o mundo como sempre fora, no estado de não-ser; pois até
então ninguém estivera presente para saber que se tratava desse mundo... Ali, o
significado cósmico da consciência tornou-se irresistivelmente claro para
mim... O homem é indispensável para
completar a criação; ele próprio é o segundo criador do mundo; só ele deu ao
mundo sua existência objetiva, sem a qual, não sendo ouvido, não sendo
visto, comendo silenciosamente, fazendo nascer, fazendo morrer, inclinando
cabeças através de centenas de milhões de anos, teria prosseguido na noite mais
profunda do não-ser, em direção ao seu fim desconhecido. Só a consciência humana criou a existência objetiva e o significado, e
o homem encontrou seu lugar indispensável no grande processo de ser.”
No final de Frozen II,
vemos que o autoconhecimento leva Elsa a perceber que ela está mais ligada ao
lado de sua mãe, da floresta encantada e da magia. Por isso ela percebe que seu
lugar é em Northuldtra e abdica do trono de Arendelle, que será ocupado por sua
irmã Anna. Elsa deixa o reino para viver na floresta encantada.
Em Eu e o Inconsciente,
Jung coloca que “quanto mais conscientes
nos tornamos de nós mesmos através do autoconhecimento, atuando conscientemente,
tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o
inconsciente coletivo. Desta forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, susceptível e pessoal do eu,
aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interesses
objetivos. Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de
desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser
compensado ou corrigido por contratendências inconscientes; tornar-se-á uma
função de relação com o mundo de objetos, colocando
o indivíduo numa comunhão incondicional, obrigatória e indissolúvel com o
mundo.”
Referência Bibliográfica:
EDINGER, Edward F. Ego e Arquétipo, SP, Cultrix,
1989
FROZEN 1 - Filme de animação produzido pela Walt Disney Animation Studios e distribuído pela Walt Disney Pictures. Novembro 2013
FROZEN 2 - O reino do gelo. Filme de animação produzido pela Walt Disney Animation Studios e distribuído pela Walt Disney Pictures. Janeiro 2020
JAFFÉ, Aniela. O Mito do Significado na Obra de C.
G. Jung, SP, Cultrix, 1989
JUNG, Carl Gustav. Memórias Sonhos e Reflexões, RJ,
Nova Fronteira, 1961
JUNG, Carl Gustav. O Eu e o inconsciente; tradução de
Dora Ferreira da Silva. 21. ed. - Petrópolis, Vozes, 2008.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, Obras
Completas, Petrópolis, Vozes
JUNG, Carl Gustav. Memórias Sonhos e Reflexões, RJ, Nova Fronteira, 1961
JUNG, Carl Gustav. Memórias Sonhos e Reflexões, RJ, Nova Fronteira, 1961
SCHUBERT, René. Depressão/Melancolia. Texto
publicado em 2016 (acessado em janeiro de 2020): reneschubert.blogspot.com/2016/08/depressao.html?spref=tw
Isabella Sprovieri é publicitária, atua no campo da educação e é estudante de psicologia analítica. Contato: isabella.sprovieri@gmail.com
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